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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

ABORTO, UMA VISÃO FEMININA

Denise Arcoverde é uma leonina como eu que escreve um dos melhores blogs femininos que tenho acompanhado, o Síndrome de Estocolmo (aqui). Ela também escreve um outro blog - Vivendo com Fibromialgia (aqui) - no qual se apresenta assim: “Meu nome é Denise Arcoverde e recebi o diagnóstico de fibromialgia em maio de 2006. Aqui, vou trazer minhas reflexões e descobertas sobre essa desordem que é dolorosa, mas também fascinante e surpreendente.”
Ela escreveu sobre o aborto com a sua visão feminina, solidária, resignada, e eu transcrevo abaixo:
O Aborto na História.
Ninguém faz um aborto por prazer. É uma decisão dolorosa, mas quase sempre irreversível, porque muito mais dolorosas seriam as consequências de uma gravidez indesejada levada a termo.

Trabalhando em comunidades marginalizadas percebi que quando a mulher não pode ter filho, ela faz o aborto de qualquer forma, usando agulhas de tricô para perfurar o colo do útero, no banheiro de casa, ou com “curiosas” que ajudam das formas mais precárias.
Também as mulheres que têm uma situação mais privilegiada se encontram em situações nas quais não podem levar adiante uma gestação. A diferença é que essas, muitas vezes, têm condições de pagar por serviços que não colocam suas vidas em risco.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 20 milhões dos 46 milhões de abortos realizados mundialmente, todos os anos, são feitos de forma ilegal e em péssimas condições, resultando na morte de, aproximadamente, 80 mil mulheres, por ano, vítimas de infecções, hemorragias, danos uterinos e efeitos tóxicos de agentes usados para induzir o aborto.
Quando grupos apresentam-se “pró-vida”, não estão considerando a enorme quantidade de mulheres que morre todos os anos. A criminalização do aborto é cruel, porque não muda a situação em que essas mulheres vivem, apenas as culpabiliza ainda mais e as faz correr risco de vida, especialmente as mulheres pobres.
É importante aprender com a história, pra entender o que se passa hoje. “Verdades” que parecem absolutas vêm sendo alteradas com o passar do tempo, mudando conforme mudam as conjunturas políticas e econômicas. Tendo sempre como principal vítima, a mulher.
A decisão de interromper a gravidez não é coisa de mulheres modernas, sobrecarregadas com as obrigações da maternidade, trabalho e estudos. Aparentemente, desde que o mundo é mundo, as mulheres se vêem em situações em que não desejam – ou não podem – levar uma gestação à frente. Já entre 2737 e 2696 a.C., o imperador chinês Shen Nung cita, em texto médico, a receita de um abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio.
Também não é novidade que interesses políticos, econômicos e religiosos têm prevalecido, em relação ao direito da mulher decidir sobre o próprio corpo. Da mesma forma que se quer proibir, hoje, já se quis obrigar o aborto em diversos momentos da história.
Na antiga Grécia, o aborto era preconizado por Aristóteles como método eficaz para limitar os nascimentos e manter estáveis as populações das cidades gregas. Por sua vez, Platão opinava que o aborto deveria ser obrigatório, por motivos eugênicos, para as mulheres com mais de 40 anos e para preservar a pureza da raça dos guerreiros.
Sócrates aconselhava às parteiras, por sinal profissão de sua mãe, que facilitassem o aborto às mulheres que assim o desejassem.
No livro História das Mulheres – A Antiguidade, Georges Duby e Michelle Perrot afirmam que “se as mulheres desejavam limitar os partos, tinham de recorrer aos abortivos, cujas receitas são muito abundantes (…) O primeiro risco era, portanto, o da ferida de um útero ainda imaturo devido à juventude das esposas romanas; nesse caso, os médicos recomendavam mesmo o aborto, inclusive por meios cirúrgicos (sondas)”.
É importante lembrar que, mesmo nas sociedades em que o aborto não era tolerado, na antiguidade, não se via aí como o direito do feto, mas como garantia de “propriedade do pai” sobre um potencial herdeiro.
Mesmo no Cristianismo, o aborto não foi, sempre, uma questão tratada como nos dias de hoje, São Tomás de Aquino, com sua tese da animação tardia do feto, contribuiu para que a posição da Igreja com relação à questão fosse bem mais benevolente, naquela época.
Foi apenas em 1869 que a Igreja Católica declarou que a alma era parte do feto desde a sua concepção, transformando o aborto em crime.
No século XIX, a proibição do aborto passou a expandir-se com toda força, por razões econômicas, já que a sua prática nas classes populares podia representar uma diminuição na oferta de mão-de-obra, fundamental para garantir a continuidade da revolução industrial.
Essa política anti-aborto continuou forte na primeira metade do século XX, com exceção da União Soviética onde, com a Revolução de 1917, o aborto deixou de ser considerado um crime. Mas, na maioria dos países europeus, por causa das baixas sofridas na Primeira Guerra Mundial, o aborto continuava não sendo tolerado.
Na verdade, com a ascensão do nazifacismo, as leis antiabortivas tornaram-se severíssimas nos países em que ele se instalou, com o lema de se criarem “filhos para a pátria”. O aborto passou a ser punido com a pena de morte, tornando-se crime contra a nação, a exemplo do que ocorreu em certo momento no Império Romano.
Após a Segunda Guerra Mundial, as leis continuaram bastante restritivas até a década de 60, com exceção dos países socialistas, dos países escandinavos e do Japão (país que apresenta lei favorável ao aborto desde 1948, ainda na época da ocupação americana).
Na década de 60, em muitos países, as mulheres passaram a se organizar em grupos feministas que começaram a exercer uma pressão no sentido de permitir à mulher a decisão de continuar ou não uma gravidez.
A primeira conquista histórica aconteceu nos Estados Unidos, há exatos 34 anos (por isso a blogagem do Naral, hoje, em celebração à data). O julgamento do caso Roe x Wade pela Suprema Corte Americana que determinou que leis contra o aborto violam um direito constitucional à privacidade, que a interrupção da gestação no primeiro trimestre apresenta poucos riscos à saúde materna e que a palavra ‘pessoa’ no texto constitucional não se refere ao ‘não nascido’. Essas decisões liberaram a prática do aborto na América.
Hoje em dia, 26% dos países criminaliza o aborto, justamente os que têm maior número de mulheres pobres e marginalizadas.
No Brasil, existem leis que garantem o direito ao aborto em casos especiais, mas sabemos que o processo é tão longo que, muitas vezes, as mulheres desistem de esperar e acabam recorrendo ao aborto clandestino.
No gráfico abaixo, podemos ter uma idéia da situação legal do aborto no mundo, atualmente:
                        Fonte: Center for Reproductive Rights (2007)
Percebam que os países do Norte, a maioria mais industrializados, têm uma legislação muito menos restritiva e nem por isso existiu nenhum aumento no número de abortos nesses países.
O movimento feminista brasileiro tem se organizado para garantir o direito das mulheres ao aborto legal há décadas, especialmente através da Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, que tem tido as suas ações potencializadas pelas Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro.
Para isso, entre muitas outras coisas, precisamos ainda, sim, e muito, do movimento feminista, que não é anacrônico, como ouvimos algumas vezes, mas que está atuando junto às questões vitais para as mulheres.
É preciso acabar com a hipocrisia. Mulheres estão morrendo e a única forma de acabar com isso é através da descriminalização do aborto, que apenas possibilita as mulheres o acesso aos cuidados de saúde que elas merecem e necessitam.
Isso é lutar pela vida.

2 comentários:

Anônimo disse...

É campanha presidencial ou plebiscito de descriminalização do aborto?

LACERDA disse...

Não foi eu quem quis assim. Foi a histeria do fundamentalismo religioso.
Pra mim é um plebiscito entre a volta ao passado e o futuro do país.