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quarta-feira, 2 de maio de 2012

EX-DELEGADO CONFESSA SEUS CRIMES

“Participei do atentado ao Riocentro e fiz parte das várias equipes que tentaram provocar aquela que seria a maior tragédia, o grande golpe contra o projeto de abertura democrática” - revela o ex-delegado do DOPS Cláudio Guerra, no livro “Memórias de uma guerra suja” que acaba de ser publicado. É a primeira confissão de participação no atentado feita por um integrante das forças de resistência à redemocratização do país na década de 80.
O ex-delegado também dedurou os comandantes do atentado frustrado: o coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço Nacional de Informações); o comandante Antônio Vieira (Cenimar); e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do Departamento de Operações de Informações do 2º Exército – DOI-Codi).
“O destino daquela bomba era o palco. Tratava-se de um artefato de grande poder destruidor. O efeito da carga explosiva no ambiente festivo, onde deveriam se apresentar uns oitenta artistas famosos, seria devastador. A expansão da explosão e a onda de pânico dentro do Riocentro gerariam consequências desastrosas. Era evidente que muitas pessoas morreriam pisoteadas” – declara o ex-delegado - “A missão da minha equipe seria prender esquerdistas que seriam responsabilizados pelo atentado. Fui para lá com uma lista de nomes. Mas deu tudo errado. Com a explosão da bomba no Puma, os militares e os policiais civis que levavam outras duas bombas abortaram a operação.”
Segundo Cláudio Guerra, a coordenação feita pelo pessoal de inteligência havia mandado suspender todos os serviços de apoio ao Riocentro, incluindo o policiamento e a assistência médica, para que não houvesse socorro imediato às vítimas. Até as portas de saída foram trancadas e placas de trânsito com siglas da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) haviam sido pichadas para dar a entender que se tratava de uma ação da esquerda.
Este fato é confirmado pelo deputado estadual Paulo Ramos (PDT/RJ) que, na época, era major da PMERJ e estava na ativa.
Paulo Ramos narra o envolvimento da cúpula da PMERJ/RJ  e de setores do governo, em Brasília, com três fatos muitos estranhos:
1. a troca e prisão do comandante do Batalhão de Jacarepaguá que deveria ser responsável pelo policiamento ostensivo do evento, horas antes da explosão;
2. o comandante-geral da PMERJ - Nilton Cerqueira, coronel de tristes lembranças - ser chamado à Brasília. Naquele tempo, a PMERJ atuava subordinada ao Exército;
3. a ordem repassada pelo estado-maior da PMERJ para a suspensão do policiamento previsto para o Riocentro.
Para Paulo Ramos, o atentado não foi um ato isolado de arapongas, pois, tudo aponta para uma operação com aval da alta cúpula dos serviços de inteligência da ditadura.
O ex-delegado Cláudio Guerra conta ainda que
os mesmos comandantes do atentado do Riocentro mandaram executar o jornalista Alexandre Von Baumgarten, em 1982, e que ele próprio foi inicialmente encarregado do assassinato. Baumgartem era editor da revista O Cruzeiro que apoiava da ditadura. Nesta época,  a Agência Central do SNI, em Brasília, era chefiada pelo coronel Newton Cruz.

“Baumgarten ia morrer porque era um arquivo vivo. Recebia dinheiro para apoiar o governo militar, por meio do trabalho na revista. Mas, por várias razões, os militares perderam a confiança nele e decretaram sua morte. Por mais recursos que ele recebesse, queria sempre mais e mais. A ambição o transformou num chantagista” – afirma Cláudio Guerra.
Guerra conta ainda ter participado da reunião em que foi decidida a morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury – titular da Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo – conhecido à época como um dos mais perversos torturadores civis.
“O delegado Fleury tinha que morrer. Foi uma decisão unânime de nossa comunidade, em São Paulo, numa votação feita em local público, o restaurante Baby Beef” - afirma Cláudio Guerra.
Além dele, segundo conta, estavam sentados à mesa e participaram da votação: o coronel do Exército Ênio Pimentel da Silveira (conhecido como “Doutor Ney”); o coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva (Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça); o delegado da Polícia Civil de São Paulo Aparecido Laertes Calandra; o coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço Nacional de Informações); o comandante Antônio Vieira (Cenimar); e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

“Fleury tinha se tornado um homem rico desviando dinheiro dos empresários que pagavam para sustentar as ações clandestinas do regime militar. Não obedecia mais a ninguém, agindo por conta própria. E exorbitava. (...) Nessa época, o hábito de cheirar cocaína também já fazia parte de sua vida. Cansei de ver” – diz Guerra.
A história oficial afirma que o delegado Fleury morreu acidentalmente em Ilhabela, ao cair de sua lancha. Mas Guerra afirma que Fleury, na verdade, foi dopado e levou uma pedrada na cabeça antes de cair no mar.
Cláudio Guerra conta ainda que incinerou os corpos de dez presos políticos numa usina de açúcar no norte do Estado do Rio de Janeiro. Corpos de militantes de esquerda que foram torturados barbaramente e que nunca mais serão encontrados.
O ex-delegado diz que o ex-vice-governador do Estado do Rio de Janeiro - Heli Ribeiro Gomes - era o proprietário da usina, localizada em Campos, a quem ele fornecia armas regularmente para combater os sem-terra da região. “A usina passou, em contrapartida, a receber benefícios dos militares pelos bons serviços prestados. Era um período de dificuldade econômica e os usineiros da região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal da Usina Cambahyba, não. Eles tinham acesso fácil a financiamentos e outros benefícios que o Estado poderia prestar.”
O ex-delegado Cláudio Guerra confessa que lançou bombas por todo o país e esteve envolvido no assassinato de aproximadamente uma centena de pessoas durante a ditadura militar e que foi um dos principais encarregados pelo regime militar de matar adversários da ditadura entre os anos 70 e 80.
Após passar sete anos na cadeia sob acusação de ter matado um bicheiro, Cláudio Guerra converteu-se ao protestantismo e, hoje, aos 71 anos, é um preletor da Assembleia de Deus onde costuma citar em suas pregações o seus “pecados do passado”. Ele afirma que resolveu confessar seu envolvimento em crimes durante a ditadura militar devido a um conflito de consciência.
Guerra está sob proteção da Polícia federal. Tornou-se uma testemunha-chave às vésperas do início dos trabalhos da Comissão da Verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar.

N.L.: lambido, hoje, de uma reportagem do iG.

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