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terça-feira, 29 de março de 2016

A FOBIA DO TOBIAS

Tobias submete-se anualmente à vacinação contra a gripe e não entende como nem por que está gripado todo ano. Ao contrário de mim que nunca me vacinei e minha última gripe foi há mais de dez anos.
Tobias é um sofredor. Com ele, tudo sempre dá errado. Mesmo quando, de repente, se percebe numa boa, sabe que algo de ruim vai lhe acontecer. E acontece.
Tobias tem diversas fobias. A pior delas é a nosofobia, o medo de ficar doente. Isso o tornou um doentio em busca de tratamento para doenças que jamais sofreu.
Enfermo imaginário, Tobias passa o maior tempo de sua vida à espera de consulta médica na rede pública de saúde da qual sempre reclama indignado como qualquer repórter de TV.
Conhece todos os ambulatórios de hospitais e postos de saúde da cidade, porém, jamais precisou ser internado como sempre desejou. Por isso, alugou casa ao lado de um hospital.
Ele não acredita em médico que não lhe passa uma receita com mais de três medicamentos em cada consulta e vive trocando de médico. Nenhum consegue dar jeito em sua saúde e todos duvidam dos sintomas que Tobias – como diria Fernando Pessoa – deveras sente.
Costuma freqüentar uma farmácia cujo balconista, seu amigo, lhe informa semanalmente sobre todos os lançamentos dos laboratórios. Experimenta cada um deles mesmo que não seja indicado para os seus males. Está convencido de que assim faz medicina preventiva para evitar futuras enfermidades. Já experimentou até produtos veterinários em doses cavalares.
Sua leitura preferida são as bulas de remédios. Essa mania o faz sentir todos os efeitos colaterais que um medicamento pode causar e é obrigado a tomar outros remédios para evitá-los.
Vive sozinho, seus amigos o abandonaram porque toda vez que perguntavam “Como vai?”, Tobias levava meia hora explicando. 
Desacreditado com a saúde pública, Tobias contratou um plano de saúde particular. Pensou que teria um melhor atendimento médico.
Arrependeu-se. Passou a pagar uma nota por mês, não recebia remédios de graça e o médico conveniado nunca tinha hora para a consulta. Somente daí a vinte dias.
Esperto, decidiu marcar hora com todos os médicos do convênio, pois, daí a vinte dias poderia ter consulta diariamente.
A empresa não concordou com a sua astúcia e cancelou o contrato. Tobias foi considerado um elemento nocivo para a saúde financeira da empresa.
Ele, então, voltou para a rede pública onde sempre é atendido todos os dias e onde os mesmos médicos conveniados sempre estão a sua disposição. Apenas tem que esperar uma hora ou duas para ser atendido. Em compensação, obtém os remédios gratuitamente, e, à espera pela consulta, sempre pode conversar com seus iguais.
Em conversa com um pastor protestante com diarréia, contou sua via-crúcis. O pastor, prenunciando uma boa fonte de renda, convidou-o para freqüentar sua igreja onde, afirmou, ocorrem muitas curas e milagres.
Tobias ficou propenso a aceitar o convite, mas não pretendia jamais abandonar a rede pública de saúde.
Certo dia, Tobias acordou pensando no convite do pastor, nas curas e milagres que ocorriam no templo denominado excentricamente de Igreja Quadrangular O Mundo é Redondo . Talvez, converter-se, fosse a sua salvação. Quem sabe, conhecer Jesus e a palavra de Deus, fosse o caminho da sua cura definitiva.
Entretanto, como o pastor estava na fila de atendimento médico devido a uma diarréia, Tobias não estava muito convencido de obter um milagre. Mesmo assim, foi participar de um culto.
Foi recebido com uma suspeita e excessiva alegria: “Seja bem-vindo a este templo abençoado”.
- E o senhor como vai, ficou bom da diarréia? – perguntou Tobias.
- Fiquei. Mas, agora estou com prisão de ventre há mais de uma semana – disse o paradoxal milagreiro que, sem demora, pediu-lhe uma contribuição para Jesus.
Acostumado com a gratuidade da rede pública de saúde, Tobias caiu fora e desistiu do incerto milagre.
Tobias, agora, pensa em cursar o pré-vestibular para medicina. Está certo de que é a única solução para a sua nosofobia.
Como médico, Tobias sonha em passar seus dias dentro de um hospital.

N.L.: vale a pena ler de novo

Um comentário:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Pelo menos, no final, o Tobias se superou. Afinal, sair de uma situação de paciente problemático, prestar um concorrido vestibular pra Medicina (se for numa faculdade particular terá que desembolsar uma grana por mês) e conseguir se formar lendo aqueles livros enormes, fazer residência, plantões, etc, certamente é uma tremenda superação. Mesmo que ele fosse já um velhinho aposentado que já não pensasse em ser mais nada exceto beneficiário do INSS, jogador de cartas das praças de Mangaratiba e paciente do SUS.

Agora verdade seja dita que a maioria dos usuários da rede pública de saúde vive uma outra realidade. Sofrem com os descasos da má gestão e absurdos nas tês esferas estatais. A última que soube foi quanto à recusa do Ministério da Saúde em antecipar a vacinação contra a gripe H1N1 mesmo com tantas mortes ocorrendo antecipadamente em São Paulo.