Abomino a ilegalidade como abomino a manipulação. Não sou maniqueísta, sou aberto.
O que pude fazer foi acompanhar o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, do início até agora, quase o fim. Vi e me convenci da culpa jurídica de diversos réus, em diferentes graus.
Mas vi condenações duvidosas, baseadas em simples evidências; vi inovações em sedimentadas interpretações do STF, exclusivamente para este julgamento; vi condenações fundadas em alargamento das interpretações de conhecidas teorias, como a do Domínio do Fato; vi condenação por corrupção sem ato de ofício; vi açodamento nos prazos; vi passar o julgamento do mensalão petista na frente do julgamento do mensalão tucano; vi avocarem o julgamento de partícipes sem foro privilegiado, ao contrário do que fizeram no mensalão tucano; vi abandonarem a judicialização das provas; vi sessões de dosimetria que eram uma verdadeira zona, em que os ministros não tinham ideia do que estavam fazendo (o que foi confirmado agora pela revisão de penas absurdas, como a de réus condenados pelos mesmos crimes, mesma participação e penas discrepantes); vi decidirem que só Ministros que votaram pela condenação poderiam participar da definição das penas, o que as elevou artificialmente; vi elevarem penas para garantir a prisão e não para dosá-la de acordo com o grau de culpabilidade; vi fatiarem o julgamento com parcialidade; vi o cerceamento da palavra de juízes; vi juiz sem postura; vi pressão midiática; vi a essência do STF: um tribunal político, pois, afinal, cortes são sempre sujeitas a pressões políticas.
O que vi, em resumo, foi um tribunal com ares, ou melhor, ventos de tribunal de exceção.
Quem não viu, foi porque não quis ver ou preferiu ver com os olhos da mídia, o que eu recuso. Só vejo com meus próprios olhos.
Quem aprovou o que se fez ali, naquele tribunal, seria capaz de aprovar coisas como o AI5, se isso fosse ao encontro de seus interesses.
Abomino a corrupção dos políticos tanto quanto abomino a corrupção dos juízes. Não sou cego, sou amplo.
Tive um grande e temido professor de Processo Penal, Gláucio Castelo Branco, que nunca me deu uma nota dez. Embora eu a tenha perseguido, o máximo que consegui, na última prova, de duas cadeiras, foi que ele me desse um nove e meio, com um sorrisinho sarcástico, mas me ensinou o valor do Garantismo, à luz da história brasileira e de suas forças políticas, não mais ocultas como apontaram Getúlio Vargas e Jânio Quadros.
E não é que o STF jogou o Garantismo no lixo!
O STF fez um julgamento em que inovou claramente em pelo menos cinco (a meu ver, cinco, mas há gente boa que aponte mais) interpretações jurídicas da corte, até então sedimentadas, exclusivamente para este julgamento.
Se tudo isso que elenquei, assim como centenas de juristas no país apontaram, não foi um tribunal de exceção, não sei mais o que é um tribunal de exceção.
Mas eu estou, a partir de hoje, parando de acompanhar o julgamento da AP470. Porque não quero ver o que estão ameaçando fazer, de negar o duplo grau de jurisdição aos réus, representado pelos embargos infringentes. Os mesmos embargos infringentes que foram enfaticamente defendidos no passado pelos insuspeitos Joaquim Barbosa e pelo decano Celso de Mello. Agora, Joaquim Barbosa, a partir do mensalão, mudou de ideia. E Celso de Mello declarou recentemente que pensa em rever seu posicionamento. Eu não quero ver isso.
Admiro o decano. Não quero perder esta admiração. Por favor, ninguém me avise se ele abolir o indispensável duplo grau de jurisdição, que defendeu com tanta propriedade há tão pouco tempo. Seria o golpe fatal na minha crença na democracia. Me poupem.
Abomino a impunidade tanto quanto abomino a injustiça. Não sou petista, sou libriano.”
Fábio Ribeiro Corrêa
N.L.: o autor do texto é fotógrafo, dentista, formado
em direito e pai do meu neto. Decidi reproduzi-lo agora antes que o STF se redima votando a favor dos embargos infringentes. Só é meu o título da postagem.
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