Em sua juventude, Márcia foi aquilo que se dizia antigamente: uma beldade. Era a jovem mais bela, invejada e desejada do bairro. As amigas queriam andar a seu lado. Sempre sobrava um dos rapazes que lhe davam em cima.
Casou-se bem nova com um empresário riquíssimo. Era um homem bom que atendia todos os seus caprichos. Amante dedicado, Anselmo montou-lhe um apartamento de cobertura na Barra. Dava-lhe as jóias mais caras e um carro de luxo novo todo ano. Márcia não poderia ser mais feliz. Correspondia aos anseios do marido. Era ardente, elétrica, tinha uma grande energia sexual. Vestia-se de forma sensualíssima. Sempre o esperava de camisola transparente e uma minúscula calcinha. Assim viveram quase vinte anos.
Tiveram um filho - Leonardo - agora com dezessete anos. Márcia continuava linda, esbelta, sensual. Aos 38 anos ainda era uma beldade. Quem a visse de biquini ficava maravilhado. Custava a tirar aquela imagem da lembrança.
Ela amava aquele filho. Era louca por ele. Fazia-lhe todas as vontades. Dizia sempre ao marido: pelo meu filho, sou capaz de tudo, de morrer e de matar.
Mas, o filho, desde os quinze anos, começou a causar preocupação. Emagreceu. Deprimido, não se alimentava. Parecia dominado por uma paixão incontida, avassaladora e não correspondida. Entregou-se às drogas. Quase sempre, agia como um
pitbull enlouquecido. Xingava, quebrava tudo em casa, agredia a todos. Abandonou a escola. Decepcionou pai e mãe. O pai já não o suportava. A mãe, porém, a beldade, tudo fazia por ele e tudo aturava daquele filho atormentado.
Por ele faço qualquer coisa, eu mato, eu morro, repetia ela.
Márcia não mais se cuidava, esqueceu-se de si própria. Vivia, agora, somente para aquele filho querido.
Os medicamentos receitados de nada adiantavam. Não havia mais esperança. O pai quis interná-lo em uma clínica para dependentes químicos. Não havia mais nada a fazer. Ela não permitiu.
Foi quando todos notaram que o rapaz estava mudando, vivia mais calmo. Voltou a estudar e a conversar com o pai que passou a orgulhar-se dele novamente. Leonardo demonstrava uma alegria contagiante. Tudo voltou à normalidade.
A beldade voltou a enfeitar-se novamente. A vestir-se bem. Cuidava dos cabelos. As amigas vibravam, ela estava de novo radiante. Parabéns, diziam os amigos ao marido, você voltou a ter uma mulher.
Um dia, na cama, ela vira para o lado e diz: hoje não, querido. Aquele ardor sexual deixara de existir.
Hoje não. Já tinha ouvido isso tantas outras vezes naquela época, mas não acompanhado daquele querido. O querido tinha um quê de remorso, de culpa. Foi aquele querido, dito daquela forma, que o fez desconfiar da fidelidade da mulher.
Passou a vigiá-la. Contratou detetive que não descobriu qualquer evidência de traição.
Após mais de um mês de investigação, o detetive deu o veredicto: sua esposa é uma mulher honrada, uma santa, só sai de casa para ir às compras, só recebe visita da mãe e das amigas.
Anselmo logo pensou em homossexualismo: será que ela se transformou em uma lésbica?
A vida conjugal seguia monótona, quase fria. Raras vezes Márcia atendia aos anseios sexuais de Anselmo. Mas, permanecia sensual, cuidando sempre de sua beleza. E continuava uma perfeita dona de casa. Leonardo ia muito bem na faculdade. Dedicado aos estudos, não queria mais saber de farra, de amigos. E nem de namoradas.
Foi aí que Anselmo teve um estalo: os dois, a mulher e o filho, haviam mudado completamente o seu modo de ser.
Certo dia, ele saiu bem cedo para o trabalho. Como sempre, deixou o filho e a mulher dormindo. Voltou de surpresa, duas horas depois. Entrou em silêncio.
Em silêncio, Anselmo foi até o seu quarto e viu: a mulher e seu filho na cama. Nus.
Leonardo deu um salto e correu. Márcia, calma, serena e sem culpa, apenas disse:
eu falei p´ra você, por meu filho, sou capaz de tudo.
Anselmo os perdoou.
E viveram felizes para sempre.