Agora, em seu leito de morte, quando ainda lhe resta apenas um sopro de vida, ele decidiu confessar-se a si próprio: eu fui um canalha, sempre fui, através dos tempos. Não tenho perdão, o inferno me espera.
Lembrou que havia traçado a mãe, as irmãs, a esposa, a amante, a noiva e as namoradas de seus melhores amigos e vizinhos.
Os vizinhos foram perdidos nas mudanças, mas os amigos permaneceram amigos.
Em suas visitas, tudo lhe vem à memória. Tem o ímpeto de dizer-lhes: eu sou um canalha, um crápula, um pulha, tracei a senhora sua mãe.
Porém, faltava-lhe a coragem que somente os covardes têm nos momentos de perigo extremo.
Vou passar a eternidade no infermo, pensava. Se não me confessar como poderei entrar no paraíso?
Pediu um padre. Disseram-lhe que o sacerdote somente poderia vir para a extrema-unção.
De que adiantaria? Nesse momento, a morte cerebral não lhe permitiria qualquer atitude.
Tentou refugiar-se nos textos bíblicos. O Novo Testamento apenas lhe trouxe maior remorso.
A consciência daqueles e de outros pecados cometidos.
Desesperou-se, queria pedir perdão a todos. Mas, como? Seria pior. É bem melhor para aqueles amigos continuar a viver na ignorância. O conhecimento quase sempre é um desgosto profundo e traz decepções incontornáveis.
Foi quando recebeu a visita de um amigo tão patife quanto ele. Converteu-se, está lendo a Bíblia? perguntou o amigo. Quero me redimir dos meus pecados, mas a Bíblia me faz sentir ainda mais culpado, respondeu.
Você está lendo a Bíblia errada, leia o Antigo Testamento, aconselhou o amigo.
Quando o amigo se despediu e estava saindo, tomou coragem e gritou: transei com a sua mulher.
Aquela cínica desavergonhada? Pensa que foi só você? Comentou o amigo antes de fechar a porta atrás de si.
Seguiu o conselho daquele amigo tão canalha quanto ele. Apelou para o Antigo Testamento e sentiu-se recompensado.
Logo no Gênesis, com as estórias de Sara e Abraão, Isaac e Rebecca, de Esaú e Jacob, de Lia e Raquel, com Abimalec e outros atores coadjuvantes, ficou aliviado de todos os pecados..
Sentiu a alma lavada e leve como a pluma.
Deu um último suspiro.
E partiu feliz.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário