(publicado em 21/11/2010)
- Nosso casamento ia muito bem, às mil maravilhas, até a campanha eleitoral – contava Denise no interrogatório na delegacia – até sair a primeira
pesquisa dando empate entre a Dilma e o Serra.
Denise contou que, a partir de então, o marido – Inocêncio, 65 anos
– mudou completamente. Voltou a andar fardado cabisbaixo, caladão e até dormia
de farda. Não era mais aquele marido dedicado do tipo que ainda manda flores.Denise, 25 anos mais nova, vivia maritalmente com Inocêncio desde os 19 anos. Nunca foi bonita. As amigas diziam que ela parecia com a Dilma Rousseff e não entendiam como aquele capitão esbelto, atlético, vigoroso e de olhos verdes tentadores que combinavam com a farda, apaixonou-se por ela, largou a esposa e foram morar juntos.
Não tiveram filhos e, após mais de vinte anos de felicidade, Inocêncio, agora coronel da reserva, passou a se embriagar e agredir a companheira.
- Ele te agredia todos os dias? – pergunta o delegado.
- Não. Somente quando saía resultado de pesquisa eleitoral. Quando saiu a primeira pesquisa dando empate, ele se revoltou mas não me agrediu. Apenas encheu a cara e foi dormir. Depois, com as novas pesquisas, eram tantos tapas na cara quantos eram os pontos de diferença. A Dilma chegou a botar 14 pontos na frente. Nesse dia, foram 14 tapas na minha cara.
- E quando saíam resultados de três pesquisas no mesmo dia? – o delegado era um sádico.
- Aí, ele somava os pontos das pesquisas e me arrebentava a cara. Houve semanas em que todo dia saía uma pesquisa. Eu vivia com a cara vermelha e inchada, nem podia sair de casa.
- Por que você não deu queixa aqui na delegacia?
- O que o senhor faria contra um coronel fardado?
O delegado não gostou da ironia e quis encerrar o interrogatório: “Bem, vamos ao desfecho dessa história.”
- No dia da eleição, saimos bem cedo pra votar. Na volta, ele começou a beber. Encheu a cara com tudo que havia em casa. Pouco depois das 17 horas, saiu a pesquisa de boca de urna do Ibope com 12 pontos de diferença. Não foram mais tapas, não. Foram 12 porradas na minha cara que me arrancaram três dentes. Eu desmaiei.
- Quanto tempo ficou desmaiada?
- Quando acordei já eram quase dez da noite. A TV dava o resultado final da eleição: 12 milhões de votos de diferença. E eu pensava se suportaria tantas porradas. Ele ainda mais bêbado balbuciava – "o Bolsonaro tem razão, nosso erro foi apenas torturar, eu devia ter assassinado aquela terrorista búlgara" - foi aí que eu entendi tudo.
Naquele momento, Denise ainda olhou a foto dos dois no porta-retrato da estante. Ela com 19, ele com 44 anos. E viu, então, que ela sempre foi a cara da Dilma. E entendeu, enfim, o porquê da paixão que ele sentiu por ela.
- Então, ele foi um dos torturadores da Dilma Rousseff? – pressupõe o delegado.
- Foi. E por amor àquele homem ou por medo da morte, ainda tentei consolá-lo. Pedi-lhe, implorei que me torturasse para que ele pudesse superar aquela derrota intolerável. Ofereci a face para começar a receber aqueles 12 milhões de porradas.
A paixão por aqueles olhos verdes tinha se tornado um patético tormento do qual Denise não conseguia libertar-se. Tinha esperança de que tudo voltasse a ser como era antes da campanha eleitoral. Prometeu fazer uma plástica que lhe desse uma aparência diferente.
- E ele? E ele? – insistia o delegado.
- Cambaleando, levantou-se, pegou a pistola e, com a voz embargada pela bebida, falou: "não vou errar novamente, vou te matar".
Lágrimas brotaram nos olhos de Denise que não conseguia continuar. Lembrava-se daqueles olhos verdes embevecidos a admirá-la em suas relações amorosas. Mas o delegado insistia: “E depois, e depois?”
- A pistola falhou. Tomei-a de sua mão e atirei duas vezes naqueles olhos verdes tentadores.
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