(publicado em 13/07/2012)
Depois de velho, assombrado com o medo da morte, Anselmo vivia em grande inquietação diante de um perigo iminente e quase sempre imaginário.
Possuía um enorme pitbull para proteger sua casa. Era um cão extremamente perigoso que atacava as visitas com selvageria. Por isso, mantinha-o sempre preso e somente o soltava à noite.
Ainda assim, levantou o muro, eletrificou-o e instalou um alarme.
Vivia apavorado. Tinha medo do 13, de gato preto e de todas as sextas-feiras.
Tinha medo até de tomar banho. Já pensou, naquela idade, ter um mal súbito no chuveiro? Quem o socorreria? Como poderiam tirá-lo nu e todo ensaboado daquele box minúsculo?
Não saía mais de casa. Racista, sempre teve medo de cruzar com um negro na rua; mas, ultimamente, via na TV que todos os bandidos agora são brancos. Como botar os pés fora de casa? Não confiava mais em ninguém. Acreditava no terrorismo televisivo dos datenas.
A mulher - Ivone - é quem fazia tudo na rua dirigindo o velho Chevette no qual ninguém mais confiava.
Mesmo amedrontado, certo dia, Anselmo aceitou ser levado pela mulher para tomar a vacina contra a gripe. O carro enguiçou, viu um negro aproximar-se e tremeu aterrorizado. Pensou no pior, mas o rapaz ajudou-os empurrando o carro até o motor pegar.
Ivone, então, exigiu a compra de um carro novo. Ele concordou e ela, no dia seguinte, trocou o velho Chevette por um Corsa zerinho.
Feliz da vida, Ivone quis logo sair com o carro novo. Ele não deixou, ficou com medo de que o roubassem. Escondeu as chaves e disse que o carro jamais sairia da garagem.
A sacrificada mulher passou a visitar as amigas e fazer o supermercado a pé. Aos bancos, ia de ônibus.
Três dias depois de tomar a vacina, Anselmo estava gripado. As dores no corpo, a febre, a congestão nasal, o mantiveram na cama por dez dias.
“Não te falei que essa vacina não vale porra nenhuma? Se houvesse vacina contra a gripe, a doença já teria sido extinta como foram a paralisia infantil, a varíola e a difteria” – afirmou revoltado, mas feliz.
Feliz por não ter que tomar banho enquanto estivesse gripado. Somente saía da cama para dar comida ao cachorro, trocar-lhe a água e soltá-lo à noite. Nem a própria mulher podia chegar perto do infausto pitbull.
Duas semanas depois, porém, após soltar o animal à noitinha, atendeu aos apelos da mulher e foi tomar banho.
“Você está fedendo, não agüento mais dormir a seu lado” – disse Ivone indignada.
Como já estava bem melhor da gripe, tomou um banho demorado. Passou desodorante e trocou de roupa.
Passava das 20 horas quando se apresentou orgulhoso; “Tá bom assim, tô cheirosinho?”.
Após o jantar, foi logo dormir. Queria acordar de madrugada para ver o eclipse. Disseram-lhe que dava sorte assisti-lo. Às duas horas, foi ao quintal admirar o evento. Olhava a lua já quase totalmente encoberta pela sombra da terra.
De repente, sentiu aquele tranco por trás. Caiu. Garras poderosas rasgaram suas costas e caninos pontiagudos penetraram em sua jugular.
Morreu cheiroso dentro de casa.
O faro do cão não o reconheceu de banho tomado naquela madrugada escura. .
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