(publicado em 12/09/2008)
Lembrou que havia traçado a mãe, as irmãs, a esposa, a amante, a noiva ou as namoradas de seus melhores amigos e vizinhos.
Nas visitas que recebe, tudo lhe vem à memória. Tem o ímpeto de dizer-lhes: “eu sou um canalha, um crápula, um pulha, tracei a senhora sua mãe”.
Porém, faltava-lhe a coragem que somente os covardes têm nos momentos de perigo extremo.
“Vou passar a eternidade no infermo” – pensava – “Se não me confessar como poderei entrar no paraíso?”
Pediu um padre. Disseram-lhe que o sacerdote somente poderia vir para a extrema-unção.
De que adiantaria? Nesse momento, a morte cerebral não lhe permitiria qualquer atitude.
Tentou refugiar-se nos textos bíblicos. O Novo Testamento apenas lhe trouxe maior remorso. A consciência daqueles e de outros pecados cometidos.
Desesperou-se, queria pedir perdão a todos. Mas, como? Seria pior. É bem melhor para aqueles amigos continuar a viver na ignorância. O conhecimento quase sempre é um desgosto profundo e traz decepções incontornáveis.
Foi quando recebeu a visita de um amigo tão patife quanto ele. “Converteu-se, está lendo a Bíblia?” - perguntou o amigo.
“Quero me redimir dos meus pecados, mas a Bíblia me faz sentir ainda mais culpado” - respondeu.
“Você está lendo a Bíblia errada, leia o Antigo Testamento” - aconselhou o amigo.
Quando este se despediu e estava saindo, tomou coragem e gritou: “transei com a sua mulher”.
“Aquela cínica desavergonhada? Pensa que foi só você?” - comentou o amigo antes de fechar a porta atrás de si.
Seguiu o conselho daquele amigo tão canalha quanto ele. Apelou para o Antigo Testamento e sentiu-se recompensado.
Logo no Gênesis, com as estórias de Sara e Abraão, Isaac e Rebecca, de Esaú e Jacob, de Lia e Raquel, com Abimalec e outros atores coadjuvantes, ficou aliviado de todos os pecados.
Sentiu a alma lavada e leve como a pluma.
Deu um último suspiro.
E partiu feliz.
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