Ricardo Semler, 55, empresário, autor do livro “Virando
a própria mesa”, é sócio da Semco Partners. Foi professor visitante da Harvard
Law School e professor de MBA no MIT - Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(EUA).
Hoje, na Folha (aqui),
ele publicou um artigo antológico. A Folha diz que não traduz a opinião do jornal,
mas como traduz a minha opinião tantas vezes já aqui descrita, eu o reproduzo abaixo.
*
“Nossa empresa deixou de vender
equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente
sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de
persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios quem não saiba
disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a
bandalheira da cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso que
mudou. Até em Paris sabia-se dos "cochons des dix pour cent", os
porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris
de petróleo em décadas passadas.
Agora tem gente fazendo passeata pela volta
dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras.
Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que
houve evasão de R$ 1 trilhão –cem vezes mais do que o caso Petrobras– pelos
empresários?
Virou moda fugir disso tudo para Miami, mas
é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que
fingimento é esse?
Vejo as pessoas vociferarem contra os
nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir
renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de
princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.
Não sendo petista, e sim tucano, com ficha
orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC,
sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um
passo histórico para este país.
É ingênuo quem acha que poderia ter
acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca
a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos
levam ao próprio governo.
Votei pelo fim de um longo ciclo do PT,
porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura,
aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e
preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser
hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste
quesito.
A coisa não para na Petrobras. Há dezenas
de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma
concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas
bandidas.
O que muitos não sabem é que é igualmente
difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes
dar propina para o diretor de compras.
É lógico que a defesa desses executivos
presos vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o
susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.
A turma global que monitora a corrupção
estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e
estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como
a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.
Boa parte sempre foi gasta com os partidos
que se alugam por dinheiro vivo, e votos que são comprados no Congresso há
décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.
Cada um de nós tem um dedão na lama.
Afinal, quem de nós não aceitou um pagamento sem recibo para médico, deu uma
cervejinha para um guarda ou passou escritura de casa por um valor menor?
Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse
veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do
país, e não de um partido.
O lodo desse veneno pode ser diluído, sim,
com muita determinação e serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância
cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe
novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada um de nós sabe o que precisa
fazer em vez de resmungar.”
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