Nem ele próprio sabia dizer o seu nome completo. Vingou-se.
Teve uma filha a quem deu o nome de Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga que também vacilava quando dizia todo o seu nome.
Obcecada por uma educação religiosa e casada com um príncipe estrangeiro, a elite conservadora e escravagista não a queria como herdeira da coroa e sucessora do pai. Considerava que seríamos governados por seu marido, ao qual era excessivamente submissa, o francês Gastão de Orleans, o Conde d’Eu. Outro motivo veremos adiante.
O casamento arranjado resultou de longa e meticulosa discussão entre o império brasileiro e algumas das famílias reais mais importantes da Europa. O arranjo incluiu também a filha mais nova Leopoldina. Os noivos se conheceram pouco antes do casamento. Foram selecionados dois primos de Isabel.
Isabel escolheu o Conde d’Eu que, em carta à irmã Marguerite d’Orleans, escreveu “As princesas são feias” – e referindo-se a Leopoldina – “mas a segunda é decididamente pior que a outra, mais baixa, mais atarracada, e, em suma, menos simpática”. Em outra carta escreveu: “Para que não te surpreendas ao conhecer minha Isabel, aviso-te que ela nada tem de bonito. Faltam-lhe completamente as sobrancelhas”.
Como se vê na foto, não era assim tão feia. Tinha mesmo uma beleza serena e feminina.
Casado com a Princesa Isabel, o Conde d’Eu foi nomeado comandante supremo das tropas brasileiras na guerra do Paraguai, em março de 1869. Substituiu Caxias que, idoso e enfermo, achava que com a ocupação da capital inimiga o conflito, iniciado cinco anos antes, chegara ao fim.
D. Pedro II, porém, queria capturar Solano Lopez que se refugiou na cordilheira. Contrariado, Caxias pediu demissão e voltou para casa.
Aos 27 anos, o Conde d’Eu comandou a caçada ao ditador paraguaio e foi assim descrito pelo futuro Visconde de Taunay: “Um narigão temível, desajeitado, deselegante, frequentemente despenteado, vestia-se mal, não dançava bem, instável no trato diário, meio surdo, avarento e propenso ao desânimo e à depressão. Seu sotaque áspero, por vezes demasiado acentuado, desagradava”.
Uma das primeiras decisões tomadas pelo Conde d’Eu quando chegou ao Paraguai – dezenove anos antes da Princesa Isabel assinar a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888 – foi abolir a escravatura no país vizinho.
Por coincidência ou não, em 1871, a Lei do Ventre Livre estabelecia que todo filho de escravo teria liberdade sob algumas condições que poucos escravocratas cumpriram.
Em 1870, o ditador Solano Lopez, acuado e sem meios de se defender, usou mulheres, crianças, idosos e adolescentes, que foram trucidados pelas tropas do Conde d’Eu. A história fala em cerca de cem mil mortos ou 10 a 15% da população paraguaia.
O massacre, considerado desnecessário, manchou de forma indelével a biografia do Conde d’Eu, um criminoso de guerra.
Logo após a abolição da escravatura no Brasil, os republicanos se assanhavam. A imprensa afirmava que, com a morte de D. Pedro II já doente e cansado, seria o marido sádico e sanguinário o verdadeiro soberano brasileiro. Aristides Lobo afirmava no Diário Popular de São Paulo: “O terceiro reinado será o governo do terror e do sangue”. O jornal República Federal, da Bahia, opinava: “O reinado de Isabel e do Conde d’Eu será a nossa desonra... o governo do punhal covarde e assassino vibrado nas trevas”. Em outra edição afirmava: “O Conde d’Eu é o futuro imperador do Brasil”. Candido Tostes, um dos homens mais ricos de Minas Gerais, conservador e escravagista, considerado o rei do café, escrevia referindo-se à Lei Áurea: “obra monumental dessa idiota que só pensa na Rosa de Ouro Papal” – e acrescentava – “o que vai acontecer é ser enxotada pela barra afora”.
A Princesa e o Conde tornaram-se o alvo predileto dos ataques da campanha republicana, acusados de serem os responsáveis por virtualmente todas as mazelas nacionais.
A campanha abolicionista teve dimensões nacionais com intensa participação popular e teve Joaquim Nabuco e José do Patrocínio como seus principais expoentes. De fato, a abolição não foi uma dádiva de Isabel, mas sim resultado de uma luta de muitos anos, inclusive com a participação dos filhos da Princesa e do Conde.
Teve início em Petrópolis. Em março de 1888, a cidade imperial foi declarada livre da escravidão após uma comissão de moradores, liderada pela princesa e seus filhos, arrecadar os fundos para comprar a liberdade de 102 dos 127 escravos existentes na cidade. Na entrega das cartas de alforria, apareceram mais cinqüenta escravos fugitivos para os quais foi providenciada nova arrecadação de fundos para libertá-los.
Em junho de 1887, ao assumir a regência pela terceira e última vez, em mais uma viagem do pai ao exterior, a Princesa Isabel determinou que se apresentasse na abertura da sessão legislativa na Câmara dos Deputados, em 8 de maio do ano seguinte, o projeto da abolição incondicional dos escravos. A Lei foi aprovada pela Câmara e sancionada pela Princesa em apenas cinco dias. Oitenta e três deputados votaram a favor e apenas nove contra, todos do Partido Conservador. Apenas um deputado contra era de Pernambuco, os outros oito eram representantes do Rio de Janeiro, o último reduto da escravidão no Império e “a mais reacionária” na definição do abolicionista Joaquim Nabuco.
“Foi o único delírio popular que me lembro de ter visto”, relatou Machado de Assis, que não participou da campanha nem moveu uma única palha pela abolição dos escravos.
Pouco mais de um ano depois, caiu o Império e foi proclamada a República.
N.L.: Os fatos históricos foram lambidos do livro de Laurentino Gomes intitulado 1889.
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