Continuando a falar de leitura obrigatória, foi lançado esta semana na PUC de São Paulo um livro com a história de 45 mulheres mortas ou desaparecidas durante o buraco negro da ditadura militar. O que veio a seguir àquele fatídico 1º de abril é lembrado no livro por 27 mulheres que foram presas, torturadas, violentadas, estupradas e sobreviveram ao holocausto.
“Luta, Substantivo Feminino” deve ser leitura obrigatória para todos, não só para os alunos do ensino médio.
Alguns depoimentos dessas mulheres – estudantes, professoras, jornalistas, donas de casa, bancárias, assistentes sociais, algumas grávidas, outras amamentando – vão, em parte, abaixo reproduzidos.
● Rose Nogueira, jornalista, presa em 1969, em São Paulo, onde vive hoje:
“Sobe depressa, Miss Brasil, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os 40 dias do parto. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Segurei os seios, o leite escorreu. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele (o delegado Fleury) ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’”.
● Izabel Fávero, professora, presa em 1970, em Nova Aurora (PR). Hoje, vive no Recife, onde é docente universitária:
“Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico. Fomos literalmente saqueados. Levaram tudo o que tínhamos: as economias do meu sogro, a roupa de cama e até o meu enxoval. No dia seguinte, eu e meu companheiro fomos torturados pelo capitão Júlio Cerdá Mendes e pelo tenente Mário Expedito Ostrovski. Foi pau de arara, choques elétricos, jogo de empurrar e ameaças de estupro. Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara, ameaça de estupro e insultos, eu abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar”.
● Hecilda Fontelles Veiga, estudante de Ciências Sociais, presa em 1971, em Brasília. Hoje, vive em Belém, onde é professora da Universidade Federal do Pará:
“Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer’. (…) me colocaram na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à ‘tortura cientifica’. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia. Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição de Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia”.
● Yara Spadini, assistente social presa em 1971, em São Paulo. Hoje, vive na mesma cidade, onde é professora aposentada da PUC:
“Era muita gente em volta de mim. Um deles me deu pontapés e disse: ‘Você, com essa cara de filha de Maria, é uma filha da puta’. E me dava chutes. Depois, me levaram para a sala de tortura. Aí, começaram a me dar choques direto da tomada no tornozelo. Eram choques seguidos no mesmo lugar”.
● Inês Etienne Romeu, bancária, presa em São Paulo, em 1971. Hoje, vive em Belo Horizonte:
“Fui conduzida para uma casa em Petrópolis. O dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores, arrastou-me pelo chão, segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou me estrangular e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e deram-me pancadas na cabeça. Fui espancada várias vezes e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios. O ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se o ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Esse mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante esse período fui estuprada duas vezes pelo ‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”.
● Ignez Maria Raminger, estudante de Medicina Veterinária presa em 1970, em Porto Alegre, onde trabalha atualmente como técnica da Secretaria de Saúde:
“Fui levada para o Dops, onde me submeteram a torturas como cadeira do dragão e pau de arara. Davam choques em várias partes do corpo, inclusive nos genitais. De violência sexual, só não houve cópula, mas metiam os dedos na minha vagina, enfiavam cassetete no ânus. Isso, além das obscenidades que falavam. Havia muita humilhação. E eu fui muito torturada, juntamente com o Gustavo [Buarque Schiller], porque descobriram que era meu companheiro”.
● Dilea Frate, estudante de Jornalismo presa em 1975, em São Paulo. Hoje, vive no Rio de Janeiro, onde é jornalista e escritora:
“Dois homens entraram em casa e me sequestraram, juntamente com meu marido, o jornalista Paulo Markun. No DOI-Codi de São Paulo, levei choques nas mãos, nos pés e nas orelhas, alguns tapas e socos. Num determinado momento, eles extrapolaram e, rindo, puseram fogo nos meus cabelos, que passavam da cintura”.
● Cecília Coimbra, estudante de Psicologia presa em 1970, no Rio. Hoje, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e professora de Psicologia da Universidade Federal Fluminense:
“Os guardas que me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam minha fragilidade e constantemente praticavam vários abusos sexuais contra mim. Os choques elétricos no meu corpo nu e molhado eram cada vez mais intensos. Me senti desintegrar: a bexiga e os esfíncteres sem nenhum controle. ‘Isso não pode estar acontecendo: é um pesadelo… Eu não estou aqui…’, pensei. Vi meus três irmãos no DOI-Codi/RJ. Sem nenhuma militância política, foram sequestrados em suas casas, presos e torturados”.
● Maria Amélia de Almeida Teles, professora de educação artística presa em 1972, em São Paulo. Hoje é diretora da União de Mulheres de São Paulo:
“Fomos levados diretamente para a Oban. Eu vi que quem comandava a operação do alto da escada era o coronel Ustra. Subi dois degraus e disse: ‘Isso que vocês estão fazendo é um absurdo’. Ele disse: ‘Foda-se, sua terrorista’, e bateu no meu rosto. Eu rolei no pátio. Aí, fui agarrada e arrastada para dentro. Me amarraram na cadeira do dragão, nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido. Fiquei nessa cadeira, nua, e os caras se esfregavam em mim, se masturbavam em cima de mim. Mas com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques”.
Talvez um dia, quem sabe, a Dilma Roussef também nos conte o que sofreu nos porões da ditadura.
E ainda existe gente – gente? – imbecil e sem memória que sente saudade daquele tempo.
Gente cretina e estúpida que não suporta ver, no presente, um Brasil muito melhor, pujante, respeitado mundialmente, em desenvolvimento e plena democracia. Um Brasil sem dedurismo, sem prisóes, sem explosões, sem tortura e sem a mordaça verde-oliva.
Torturadores aposentados como os que mataram o jornalista Wladimir Herzog dirão que tudo isso é mentira. A foto acima é dele morto na prisão. Os torturadores afirmaram que ele próprio enforcou-se. Isso, sim, foi mentira. Quem pode acreditar em um suicida que se enforcou com os joelhos dobrados e os pés no chão?
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