“O general Sylvio Frota tinha uma pergunta: "E agora?"
"Agora vamos ganhar a próxima, que é uma eleição municipal, onde se elege a base do sistema político, que é o prefeito", respondeu o presidente.
Noutra conversa dissera-lhe: "Pilote lá sua área”.
E assim fez o general. Manteve-se calado e quando teve de falar, por conta da rotina dos pronunciamentos militares, leu uma ordem do dia semi-literária lembrando que o Exército "foi sempre fiel ao povo, do qual nunca se separou'.
Começava-se a construir um caso clássico de orfandade da derrota.
A votação da Arena declinara em relação a 1970. Perdera 9% dos votos para o Senado (o MDB crescera 21,4%) e 7,5% na Câmara (contra um crescimento de 16,5% do MDB).
Para quem não queria ver no resultado uma manifestação da vontade popular, eram três os responsáveis. Para os mais valentes, pela ordem: Geisel, Golbery e Petrônio. Para os menos corajosos: Petrônio, Golbery e Geisel.
Geisel culpou o povo: "Não considero eleição um julgamento. É uma reação. O eleitorado é muito despreparado e não se informa. Não entende de governo. [...] Eu tenho a consciência tranqüila de que fiz tudo o que era possível fazer nestes oito meses. Tenho trabalhado como um burro”.
N.L.: O povo não se informa... Claro, ainda não havia a internet que não pode ser censurada. E quem trabalha como um burro, burro é.
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“Figueiredo foi além: "[...] Povo de merda, que não sabe votar".
Nessa linha, Heitor Ferreira perguntou a Golbery:
"Que esperar de um eleitorado assim, de um povinho assim?"
"Que melhore, praticando", respondeu o general, culpando o regime.
"O povo não está com a Revolução."
Petrônio culpou o imponderável: "Não agrido fatos. Não vi o invisível e não previ o imprevisíveI.'
Tantas foram as construções destinadas a explicar a derrota e atribuir culpas que Heitor Ferreira se saiu com a seguinte: "O MDB ganhou porque os eleitores foram às urnas, cada um depositou uma cédula. Quando essas cédulas foram contadas, havia mais votos para os candidatos do MDB ao Senado do que para os da Arena. Fora disso, não tenho explicação".
Entre todas as explicações, encorpava-se aos poucos a mais simples e mais antiga. Aquilo teria sido coisa dos subversivos. O velho senador sergipano Leandro Maciel, que a Marinha chamava de "desacreditado", admitiu a derrota com elegância para a imprensa ("Venceu o melhor") mas tinha outra conversa para Geisel. Apontava o dedo vermelho: ''Aos olhos fechados da polícia arregimentou-se, com toda a agressividade, o comunismo”. Aproveitou a oportunidade para informar que eram comunistas o bispo de Propriá, o chefe do distrito da Superintendência do Vale do São Francisco e o diretor de uma escola agrícola federal.
Esse tipo de construção deslizaria aos poucos para dentro do regime, mas, nas semanas que sucederam ao resultado, Geisel preservou a disciplina, tanto entre os militares como entre as vivandeiras.”
N.L.: Dez anos depois, na eleição de 1974, o povo absolvera os chamados subversivos e condenara os torturadores.
Os chamados subversivos – isto é, os torturados - estão todos aí agora desenvolvendo o país em plena democracia.
E os torturadores clamam pela anistia.
Anistia inventada por eles próprios para fugir da punição.
Punição que se propaga na Argentina, no Chile, no Peru.
O povo, agora informado, tem que reconhecer a coragem dos que lutaram pela democracia e deram sua cara a tapa.
E condenar categoricamente a covardia dos torturadores que agiam incógnitos na calada da noite.
Que venha agora a COMISSÃO DA VERDADE.
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