Quem é esse desconhecido que todo santo dia surge nas páginas da imprensa alimentando um pseudo-dossiê sobre a violação de suas declarações de renda que estão na internet desde tempos medievais (clique
aqui) ? Que importância teria ele hoje para a atual campanha eleitoral? Qual seria a vantagem a ser obtida com a cópia de suas declarações de renda?
Vou reproduzir uma extensa reportagem da Veja de 17 de julho de 2000 - que tenta limpar o nome de FHC - para esclarecer quem é esse indivíduo que todos ignoram. Não é flor que se cheire não.
A revista Isto É também falou dele. Leia
aqui.
– O senhor acha que ele pode estar usando seu nome para facilitar negócios, presidente?
– Não tenho provas, mas não tenho dúvidas.
Diálogo de Fernando Henrique e um ministro sobre Eduardo Jorge
Brasília mergulhou na semana passada numa crise política criada por um motivo errado mas com um personagem certo, o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira.
O motivo errado: a tempestade em torno das suspeitas de que, em 1996, o Planalto teria facilitado a liberação de verbas para a obra superfaturada do prédio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
A construção recebeu 231 milhões de reais, dos quais 169 milhões foram desviados. A denúncia sugeria que o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso teria usado o cargo para dar dinheiro público a uma quadrilha especializada em desviar dinheiro público. Como se veria, os indícios de que isso teria ocorrido não se sustentam.
A participação provada de Fernando Henrique no processo se resumiu a enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei com um pedido de suplementação de 25 milhões de reais em favor da obra. Antes de qualquer outra consideração, é preciso lembrar que na época do pedido, meados de 1996, a obra era tida como regular.
Seu responsável, o juiz Nicolau dos Santos Neto, que mais tarde se revelaria o notório La-Lau, tinha reputação de magistrado correto. O Ministério Público só abriria inquérito para apurar irregularidades naquela construção no ano seguinte. E apenas em 1998, dois anos depois, portanto, o prédio do TRT seria incluído pelo Tribunal de Contas da União na lista de obras públicas suspeitas de irregularidades para as quais a liberação de verbas estaria condicionada à solução dos problemas.
Desta vez, o próprio Palácio do Planalto deu sua contribuição para que a confusão ganhasse corpo. Divulgou-se uma explicação apressada e bizarra.
"Não cabe ao presidente da República ler o que assina, a responsabilidade é do ministro que leva ao gabinete a pasta de despachos", informou um assessor.
Feita para defender FHC, a frase foi lida quase como uma confissão de culpa. Afinal, a equipe de comunicação do governo apresentava o presidente como um nefelibata pronto a assinar documentos cujo teor desconhece. A resposta produziu ainda outro efeito negativo para Fernando Henrique. Ao dizerem que ele desconhecia o teor do papel que levou sua assinatura, os assessores atiçaram a suspeita de que haveria irregularidades no documento. Ou seja, caso o presidente conhecesse seu conteúdo, teria tomado a atitude correta de atirar o documento ao lixo. Na verdade, o documento era inócuo. Tratava-se de um projeto de lei que, para ter vida, precisaria ser aprovado pelo Congresso.
O caso do prédio do TRT ganhou fôlego na quinta-feira, com a publicação pela revista
IstoÉ do conteúdo de uma fita com uma entrevista atribuída ao juiz Nicolau dos Santos Neto. Nela, uma voz descreve como conseguia liberar verbas oficiais: com a ajuda de altos funcionários do governo, em especial de Eduardo Jorge, ex-secretário-geral da Presidência, e do hoje ministro Martus Tavares, do Planejamento. Os trechos divulgados não fazem uma única referência a corrupção ou irregularidades, mas azedaram ainda mais o clima.
A crise parecia destinada a assumir proporções de catástrofe quando começou a se dissipar por força das próprias inconsistências. Logo se soube que o projeto com o pedido de suplementação de verba enviado ao Congresso por FHC fora assinado por sessenta deputados paulistas – entre eles doze do PT, justamente o partido que pedia a condenação do presidente por não saber onde coloca sua assinatura.
"Os deputados do PT que aprovaram esse projeto vão ter de se explicar", declarou o presidente de honra do partido, Luís Inácio Lula da Silva. Pura bazófia. Assinaram porque a obra naquela época nada tinha que despertasse a atenção dos vigilantes deputados petistas ou do presidente da República e seus auxiliares. Isso coloca os petistas na mesma posição do presidente que querem incriminar: ou eles também não lêem o que assinam, ou são cúmplices de Lau-Lau. Ambas as hipóteses são absurdas.
Com a divulgação da fita, Brasília entrou no modo de ebulição tão peculiar em momentos de crise. O senador Pedro Simon (PMDB-RS) pediu a cabeça de Martus Tavares.
"Esse moço foi de uma irresponsabilidade total", afirmou. O presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, inocentou o presidente de qualquer culpa, mas não poupou Tavares.
"A responsabilidade é do ministro."
Na noite de quinta-feira, o presidente convocou uma reunião no Palácio do Planalto para avaliar o estrago. Outra reunião seria feita na sexta-feira, dessa vez no Palácio da Alvorada, a residência oficial do presidente. A tensão pode ser medida pelo teor de uma nota oficial divulgada na semana passada. Nunca, em todas as crises anteriores – e não foram poucas –, o presidente precisou soltar um comunicado reafirmando seu compromisso com a "correção com o trato da coisa pública", segundo suas palavras. A nota seguia garantindo aos brasileiros que o Planalto não vai "acobertar" nenhum deslize penal praticado eventualmente pelo ex-secretário-geral do Planalto (Eduardo Jorge).
Fruto de reportagens exageradas, requentadas e de uma fita em que um criminoso procurado pela polícia acusa funcionários públicos, a crise da semana passada – na ausência de um fato novo – tem poucas chances de evoluir para uma tempestade de granizo sobre o Planalto. É uma crise de motivação equivocada, portanto.
Já o personagem que a perpassa, Eduardo Jorge Caldas Pereira, um economista que trabalhou mais de quinze anos com FHC, quatro deles no Palácio do Planalto no posto de secretário-geral da Presidência, traz em si todos os ingredientes para fomentar uma crise de verdade. Ao deixar o governo, há dois anos, o ex-assessor participou da campanha da reeleição presidencial e atualmente ganha a vida – e que vida! – como consultor.
Para começo de conversa, Eduardo Jorge é amigo pessoal dos dois pilares podres que ruíram com a descoberta dos desvios de dinheiro da obra do TRT, o juiz La-Lau e o senador cassado Luiz Estevão. A amizade do ex-assessor com o ex-senador é antiga, muito próxima e inclui os familiares de lado a lado. Os casais se freqüentam. Quanto ao seu relacionamento com o juiz, o ex-assessor do presidente terá ainda muito que explicar.
Para tornar mais confusa a participação de Eduardo Jorge nesse caso, o jornal
O Estado de S. Paulo publicou na sexta-feira reportagem mostrando que o escritório de advocacia Caldas Pereira, que tem entre seus sócios dois irmãos e uma sobrinha do ex-assessor, trabalhou para a
Incal. É isso mesmo, a
Incal é aquela construtora responsável pelo prédio do TRT, cujos diretores chegaram a ser presos e só foram restituídos à liberdade mediante
habeas-corpus.
De acordo com um ministro que esteve com o presidente na semana passada, depois do estouro da crise, a preocupação de FHC com uma possível investigação em torno de sua participação no caso TRT é nula.
"Não tenho nada a ver com essa história e serei o maior defensor das investigações", comentou. Seu receio chama-se Eduardo Jorge. O presidente diz a pessoas próximas que já ouviu muita maledicência a respeito do antigo auxiliar, mas nunca lhe levaram uma prova ou indício concreto contra ele.
"Eu me sentiria traído caso isso ocorresse", disse FHC. Na conversa com o ministro, o presidente foi confrontado com a pergunta:
– O senhor acha que Eduardo Jorge pode estar usando seu nome para facilitar negócios, presidente?
Fernando Henrique respondeu:
– Não tenho provas, mas não tenho dúvidas.
O senador Pedro Simon faz ameaça contra o governo:
"Ou sai esse moço, o Martus Tavares, ou sai a CPI para investigar o envolvimento de Eduardo Jorge no caso do TRT"
O ministro ficou tão impressionado com o que ouviu que decidiu reproduzir o diálogo a pelo menos dois parlamentares de sua confiança. Conhecido nos tempos do Planalto como "O Sombra", por sua aversão aos holofotes, Eduardo Jorge saiu do governo há dois anos. A versão que prevaleceu sobre a saída foi que o antigo assessor estava cansado.
Responsável pelo serviço de informações do governo, hoje entregue ao Gabinete Militar, Eduardo Jorge checava a biografia de todos os candidatos aos cargos de alto escalão. Eduardo Jorge também atuava como ponte entre o governo e a direção dos fundos de pensão das estatais, instituições que movimentam bilhões de dólares e decidem qualquer parada nas privatizações. Outra de suas funções era articular o apoio da base governista para acelerar a tramitação de projetos e emendas de interesse do Planalto. No final de 1998, Eduardo Jorge confessou a amigos que deixava o governo também por razões financeiras.
"Preciso ganhar dinheiro", disse ele na época.
Desse ponto de vista, a saída de Eduardo Jorge do governo tem sido um sucesso. Trabalhando como consultor, tira quase 1 milhão de reais por ano, salário de presidente de multinacional. Os clientes lhe pagam entre 15.000 e 18.000 reais por mês para tê-lo como "conselheiro", segundo as próprias palavras.
"Não faço lobby", disse Eduardo Jorge a
VEJA. Não se pode dizer que ele seja um lobista como outro qualquer. O lobista, por definição, é um sujeito que, trabalhando para uma empresa, tenta aproximar-se dos governantes para viabilizar negócios. Eduardo Jorge é bem mais que isso. Pelos altos cargos que ocupou, é recebido com muito mais facilidade.
Uma parte significativa de seus proventos vem de sua atuação na área de seguros. Sua entrada formal, como dono, no ramo dos seguros foi no ano passado, quando se tornou sócio de 10% de um grupo chamado
Meta que atua como corretora de seguros de vida e de planos de saúde. O grupo fatura 130 milhões de reais por ano e tem tradição de vender serviço a empresas estatais. Outra empresa de seguros da qual o secretário participa como conselheiro é a
Delphos. Detalhe: nas duas últimas eleições presidenciais, o grupo
Meta doou 250.000 reais a Fernando Henrique, e a
Delphos, outros 200.000.
Desde que entrou para a
Meta, a empresa já fechou dois bons contratos em áreas onde o livre trânsito de Eduardo Jorge no governo foi fator decisivo. Em fevereiro deste ano, o grupo
Meta atuou como corretora de um contrato de seguro-saúde para 20.500 funcionários e ex-funcionários do Ministério dos Transportes e seus dependentes no valor de 6,5 milhões de reais. A seguradora, escolhida por meio de carta-convite, é a
BrasilSaúde, do Banco do Brasil, que na data do contrato era presidida por José Maria Monteiro. Sua nomeação para o cargo passou pelas mãos de Eduardo Jorge. O contrato foi feito sem licitação. O argumento do ministério é de que o edital não ficou pronto a tempo. Na semana passada, o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, contou à imprensa que foi procurado por Eduardo Jorge para tratar de negócios.
As andanças de Eduardo Jorge pelos negócios de seguro despertam suspeitas potencialmente explosivas. Uma delas diz respeito justamente a sua atuação num negócio entre o Ministério dos Transportes e a seguradora do Banco do Brasil. Nessa transação, a empresa da qual ele é sócio recebeu uma comissão. Por melhores que tenham sido as condições de corretagem oferecidas pela empresa de Eduardo Jorge, fica no ar a desconfiança de favorecimento. O pecado está no fato de Eduardo Jorge ter intermediado uma operação entre um ex-colega de governo, o ministro Padilha, e o presidente da seguradora estatal que assumiu o cargo com a sua ajuda. Monteiro deixou o BB três meses depois.
Outro bom contrato foi fechado com a
Telemar, o consórcio de telefonia. O grupo
Meta atuou como corretor de seguros de todos os funcionários da empresa, 25 000 no total. Coincidência ou não, quando ainda estava no governo, Eduardo Jorge participou ativamente da formação do consórcio que venceu a licitação para a compra da
Tele Norte Leste. Ele conduziu as seguradoras ligadas ao Banco do Brasil a se associar ao grupo integrado pelo empresário Carlos Jereissatti, a Andrade Gutierrez e a Inepar. Seu parceiro nessa operação foi o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio, demitido no escândalo do grampo do BNDES.
"O pessoal do Jereissatti negociou a corretagem com o Meta. Sei que entre eles existe esse tipo de relação", afirma Pedro de Freitas, presidente da seguradora da Caixa Econômica Federal (
Sasse).
Eduardo Jorge estabeleceu conexões proveitosas no mundo empresarial. Sua opção preferencial pela área de seguros foi providencial. Um de seus grandes amigos no governo é justamente Pedro de Freitas, o presidente da
Sasse. Ambos se falam semanalmente, almoçam juntos pelo menos duas vezes por mês, mas juram que conversam apenas "sobre questões pessoais". No mercado de seguros há 35 anos, Freitas sustenta que Eduardo Jorge jamais lhe pediu conselhos, orientação ou qualquer outra informação estratégica. Outra amizade "desinteressada" feita por Eduardo Jorge durante o governo foi com o presidente da
Aliança do Brasil, uma coligada do Banco do Brasil na área de seguros, Manoel Pinto. Com ele, Eduardo Jorge tem uma história complicada. Em dezembro de 1996, antes de assumir a seguradora (por indicação de Eduardo Jorge), Pinto teve o seu nome envolvido num escândalo político.
Então assessor da presidência do Banco do Brasil, foi apontado como o autor de uma lista contendo o nome dos deputados do PPB que tinham dívidas com o Banco do Brasil. Essa lista serviria para pressionar os parlamentares a votar a favor da emenda da reeleição. Na ocasião, o ex-ministro da Coordenação de Assuntos Políticos Luiz Carlos Santos, hoje presidente de Furnas, acusou Eduardo Jorge de ter sido o mentor intelectual do documento. O ex-assessor de FHC jura inocência até hoje. Mas a dúvida nunca se dissipou totalmente.
Num escritório de consultoria que mantém em Brasília, o
EJP, o ex-assessor recebe parlamentares e funcionários da alta burocracia federal. Um senador que esteve lá e pede para não ser identificado conta que foi tratar de assuntos partidários, da mesma forma que fazia quando Eduardo Jorge trabalhava no Planalto. O ex-secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Milton Seligman também foi visitar Eduardo Jorge no escritório.
"Fui despedir-me dele e ver se seria possível me ajudar a fazer contatos para meus negócios futuros", conta Seligman. Além do
EJP, o Sombra tem participação acionária na
LC Faria Consultoria, uma empresa com um ano de vida, tocada pelo seu ex-chefe de gabinete, Claudio de Araújo Faria. Durante todo o tempo em que ocupou o terceiro andar do Planalto, Eduardo Jorge teve Faria como seu assessor. Quando Eduardo Jorge saiu do governo, seu auxiliar também pediu as contas. A rigor, a
LC Faria é uma empresa que presta o mesmo serviço que a
EJP. Por que ele teria interesse em ser sócio de uma empresa que é sua concorrente em potencial? Ninguém sabe ao certo. Mas isso já desperta suspeitas. Uma das explicações pode estar guardada com os promotores de Justiça. O Ministério Público está investigando as empresas de Eduardo Jorge.
Com o presidente, a relação permaneceu próxima mesmo depois da demissão formal. E foi mantida mesmo depois que se revelaram na Justiça suas ligações com o juiz La-Lau em junho do ano passado. Eduardo Jorge costumava freqüentar o gabinete de FHC e chegou a assistir a algumas audiências. Numa dessas ocasiões, há cerca de oito meses, o ex-assessor participou de um encontro entre FHC e o diretor do
Ibope, Carlos Augusto Montenegro. Trataram da imagem presidencial.
"Quando eu cheguei ele já estava lá. Quando saí, ele permaneceu", conta Montenegro. Mais de uma vez foi visto também no Palácio da Alvorada, inclusive em finais de semana. No fim do ano passado, Fernando Henrique o presenteou com uma fotografia oficial autografada. No réveillon, ele fazia parte da lista de convidados do presidente, que assistiu ao show de fogos de artifício de dentro do Forte de Copacabana.
Na semana passada, FHC conversou por telefone com um amigo empresário, de São Paulo. Com a liberdade de quem conhece o presidente desde a década de 70, o empresário perguntou por que FHC não rompe de vez com Eduardo Jorge.
"Nada me contaram de concreto até agora sobre ele. Mas se algo desastroso vier a ser revelado a mim sobre ele, não hesitarei em tomar providências", disse FHC.
Amigos próximos de Eduardo Jorge ainda no governo acham que ele está se expondo demais, exibindo sinais exteriores de riqueza que ele nunca ostentara. Ao comprar um apartamento de 1 milhão de reais no Rio de Janeiro, no exclusivo condomínio Praia Guinle, Eduardo Jorge ingressou num círculo social habitado por empresários e artistas milionários. Da relação de moradores, não faz parte nenhum funcionário público. Para comprar o imóvel, Eduardo Jorge obteve um empréstimo de 300.000 reais do
BancoCidade, que possui apenas 8.000 pessoas físicas em sua carteira de clientes. A fama do banco é trabalhar com o alto empresariado, não com funcionários públicos aposentados, como Eduardo Jorge. Pelo menos o Eduardo Jorge que o presidente conheceu – um rábula dedicado, brilhante conhecedor de leis e que foi seu leal auxiliar por mais de quinze anos. Os sinais são de que aquele servidor não existe mais. Foi substituído por um grande facilitador de oportunidades que envolvem esferas de governo. A questão que interessa ao país é saber se FHC já foi apresentado a esse ás dos negócios.
Reportagem de Cristine Prestes e Rodrigo Vergara, de São Paulo, e Flamínio Fantini, de Brasília