Nasceu robusto, gordo, cabeludo e cheio de dentes, acima do peso considerado normal, com mais de 4,800k. E como era feio. Era feio de doer o parrudo bebê.
Os parentes e amigos que foram visitá-lo se espantavam e não conseguiam disfarçar o mal-estar diante daquela desagradável visão.
Quando começou a engatinhar, parecia um Demônio da Tasmânia. Certa vez, foi mexer com o gato que dormia com a tranquilidade dos gatos. O bichano deu um salto e saiu em disparada. Nunca mais foi visto.
Foi crescendo e cada vez mais feio ia ficando. Aos cinco anos, tinha quase o dobro do tamanho de crianças da mesma idade. Entrou para o jardim de infância e os coleguinhas, com medo dele, não queriam mais voltar para a escola. Houve uma reunião de pais e a diretora solicitou que a criança fosse retirada do convívio escolar.
Quando entrou para o ensino fundamental, era o maior da turma. Parecia ser aluno da quarta série. Era o mais feio, claro, mas, também, o mais inteligente e estudioso. Devido ao seu tamanho, jamais foi vítima do “bullying”. Porém, apelidaram-no de Aborígine Australiano. Mais tarde, abreviaram para Abori. Humilde, ele nem ligou e levou o apelido para a faculdade onde se formou, com méritos, em medicina. Como especialidade, escolheu a pediatria. Adorava crianças.
Nunca teve amigos nem namorada, mas era feliz. Um homem bom, excelente caráter. A feiura em si mesma jamais lhe fez mal algum.
Montou um consultório que viveu às moscas. Tentou empregar-se em uma clínica infantil, mas nenhuma quis admiti-lo. Com aquela cara, não levava jeito de médico. Ainda mais pediatra. Desistiu da medicina e somente conseguiu emprego em um circo onde se apresentava preso numa jaula.
Era apresentado como “Abori, um assombro”. Voltou a assustar as crianças que agora pagavam para vê-lo.
Apaixonou-se por uma trapezista linda, escultural, de uma beleza absurda. Ela era cega e pôde ver toda a beleza interior de Abori. Retribuiu ao amor intenso e incondicional que ele lhe dedicava. Casaram-se. Apenas no civil, junto com outras dezenas de casais que não entendiam como uma mulher tão bela pudesse dizer sim àquele ser horroroso. “Só pode ser cega”, comentavam sem saber que era verdade.
Abori e a equilibrista cega foram muito felizes. Tiveram uma filha, lindíssima como a mãe. O pai, ainda mais feliz, dava graças a Deus por não ter transmitido sua feiura para a filha. Mas, preocupava-se: “será que ela era cega como a mãe?”
Um mês depois, Abori tomou coragem e pegou a criança no colo pela primeira vez. Ela dormia. Abriu os olhinhos que ainda não possuíam a completa visão quando ele a beijou. Ali, pertinho, porém, conseguiu focalizar o rosto do pai. A coitadinha apovorou-se...
Morreu de susto.
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18 comentários:
Adorei!
Sou como o Abori, sendo um pouco mais esquisita que ele.
Agora você entende meu problema de ter que conviver com meus amigos e inimigos como se fosse um espectro?
Ele é o Demônio da Tasmânia e eu sou a Assombração de Mangaratiba.
Triste vida ....
Esse pequeno conto foi inspirado no que você escreveu e naquela foto que você postou. Mas, claro que tem algo a ver com a Marina.
Fiquei feliz por ter gostado.
Sabia que era algo com Marina, muito mais do que comigo.
Eu deveria ter me apresentado em Setembro, antes da sua cirurgia. Deixei escapar a oportunidade de ser amada como Abori!
Eu também adorei o texto... humor até de certa forma leve... mas, com uma mensagem nas entrelinhas que talvez só os belos de alma e sabedoria poderão entender! Viu porque digo que vc é mestre? E Leila, amo você... linda ou feia, não importa... aquilo que me aquece o peito, exclui as necessidades dos olhos críticos e preconceituosos... AMO-VOS, CADA VEZ MAIS!
A coitadinha apovorou-se...
Morreu de susto.
A coitadinha apavorou-se... e danou a chorar, muito mesmo, tal o medo provocado pela visão do pai - o que o tranquilizou, finalmente.
Então Abori a levou até a mãe e aquietou-se feliz.
E vcs, que tal exercitar outro final?
Topo!
A coitadinha apavorou-se...
e fechou seus olhinhos com tanto medo, que bem apertadinhos, não deixavam que passasse nenhuma luz.
E como era inteligente como o pai, percebeu que deveria exercitar seus demais sentidos... assim, sentiu o perfume do carinho, o calor das mãos, o sussurrar da voz de seu pai e o gostinho de amor,que vieram com os beijos bem suaves em seu rosto.
Quando aquietou-se, ela sabia que ELE e ninguém mais, seria capaz de caminhar com ela pelos caminhos desta vida.
Leila,
Você tira essa onda porque deve ser uma mulher linda. Nunca vi uma mulher assumir que é feia.
Aliás, nenhuma mulher é feia, São todas ma-ra-vi-lho-sas.
Até a Marina Silva.
Márcia,
Obrigado. Vou ter que comer feijão com bucho durante uns cinco dias.
Filho,
Se eu terminasse o conto da forma que você e a Leila gostariam, eu não teria o prazer e a honra de receber seus comentários.
Um drama - mesmo em um conto pequenino como esse - deve terminar de forma abrupta e inesperada após passar pela tragédia, pela comédia, pelo sublime e pelo grotesco.
Mesmo que eu não fosse politicamente quase incorreto, nem fosse um quase ateu (graças a Deus), não poderia terminá-lo com um final feliz.
O pior vocês não sabem: após a morte da filha, Abori suicidou-se. A equilibrista cega voltou para o circo, caiu do trapézio e ficou paralítica.
É o que é pior mesmo, é que o mundo continuou girando, pois, ao final das contas, Abori era apenas mais um feioso que não merecia a atenção do mundo VIP!!!!!! E é assim que muitos contos da vida real terminam... sem o " GRAMUR" necessário!!!!!
Que erro grotesco... E o que é pior
Ela dormia. Abriu os olhinhos que ainda não possuíam a completa visão quando ele a beijou. Ali, pertinho, porém, conseguiu focalizar o rosto do pai, sentir seu calor, seu cheiro e afeto paternal, pôde sentir-se segura como se ainda estivesse no ventre materno. A feiura... ora, a feiura é um senso ainda distante de uma criança com a ingenuidade e pureza típicas das que ainda não "aprenderam" conosco.
Ah, então vc considera meu final feliz? Feliz o seu, onde ela morre. No meu ela vai ser cuidada pela mãe cega (que vai passar a vida lamentando nunca ter podido ver a filha) e ainda vai passar seus dias olhando pra figura horrível do pai e tendo que suportar topo tipo de escárnio em cima dele (que vai se sentir excluído até pela própria filha, que o esconde das coleguinhas).
Então é assim....
Vou aderir ao horror do realismo trágico!
A coitadinha apavorou-se...
teve uma convulsão que fez com que os estúpidos braços do desajeitado pai não a segurassem.
Caiu no chão e teve traumatismo craniano.
Sua mãe ouviu os gritos apavorados de Abori e correu, atendendo seu instinto materno, pois sabia que sua filha corria perigo.
Foi então que tropeçou no corpo frágil estendido no chão e acabou por esmagá-lo.
Os vizinhos chamaram a polícia que diante do quadro terrível, atirou em Abori. E ele parte desta para melhor.
A mãe? Sentiu que a merda estava feita e agarrou-se ao policial pedindo que ele a protegesse de todo o sofrimento que havia passado com Abori.
O policial que nunca tinha pego uma mulher tão linda, caiu de quatro e prometeu que tudo faria, que moveria montanhas e mares para que ela enxergasse.
Assim, surgiu o primeiro miliciano do país!
Lívia
Não sabia que você, minha "genra", escrevia tão bem. Porém, esqueceu que a criança, durante um mês, viu somente a beleza da mãe e devia imaginar que o mundo era assim tão belo. Mas, quando, pela primeira vez, viu o pai apavorou-se.
Fico com final do seu marido que, eu pensei, tivesse sido um final feliz.
Leila,
Eu mudaria um pouco o seu final porque o policial era também muito feio.
"O policial que nunca tinha pego uma mulher tão linda, caiu de quatro, ESTUPROU-A e prometeu que tudo faria, que moveria montanhas e mares para que ela JAMAIS enxergasse."
Você venceu!
Esse final ficou melhor para o tipo de tragédia.
KKKKKKKKKKKKKKKKK... Vcs estão SUPERANDO as nossas tragédias pessoais!!!!!Acho até que meus problemas passaram a ser café pequeno.
Sabe, Fábio, vc sabiamente nos mostrou que uma história sempre tem dois lados... só depende de como a interpretamos! Adorei sua explicação!
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