Reproduzo aqui a entrevista concedida por Oliver Stone - Platoon, JFK, Nascido em 4 de Julho, Wall Street e outros – o mais politizado dos cineastas americanos. Ele chega ao Brasil dia 31 para lançar seu último filme: “Ao Sul da Fronteira”, documentário sobre sete presidentes da América Latina com destaque para o venezuelano Hugo Chávez. Por telefone, de seu escritório, em Los Angeles, Stone falou à Folha de São Paulo.
Vale à pena ler.
Folha - Como é o Chávez?
Oliver Stone - Ele é muito acolhedor e amoroso. As notícias sobre ele nos EUA têm sido muito negativas, porque ele mudou as regras. Fez coisas que nenhum outro, exceto Fidel astro, havia feito. Ele tem feito coisas novas, assim como Néstor Kirchner na Argentina e Lula no Brasil.
Como Cristina Kirchner diz no filme, as pessoas que estão no poder na América do Sul têm o semblante do povo que as elegeu. Hugo Chávez é um soldado e obviamente tem algumas das falhas de um soldado. Lula é um sindicalista e tem algumas das falhas de um sindicalista. Mas ambos representam uma grande mudança. E eu espero que dê certo. Porque é o desejo de controlar o seu próprio destino, de ser levado a sério, de não ser ignorado.
Folha - O filme é pró-Chávez?
Oliver Stone - Não é pró-Chávez. Apenas mostra honestamente o que ele está fazendo e o que estão dizendo sobre ele. Não é um documentário longo que vai defender tudo, é uma “roadtrip”. Se fosse pró-Chávez, ele teria três horas a mais.
Folha - O presidente Hugo Chávez tenta controlar a mídia na Venezuela...
Oliver Stone - [Interrompendo] Não mesmo. 80% da mídia na Venezuela é privada, dirigida por ricos que falam mal do governo. Chávez brigou pela liberdade de expressão. Alguns canais e revistas convocaram greves e chamaram as pessoas para um golpe de Estado em 2002.
Em meu país, se você fizer isso, sua licença [de TV] será retirada. Há relatos de jornalistas sobre a pressão do governo. Estou falando do que vi e ouvi. O governo respeita a liberdade de imprensa, exceto nos casos em que a mídia desrespeita a lei ou tenta um golpe. Aí as licenças das empresas de comunicação não são renovadas. A maioria das TVs do país é dirigida por lunáticos, caras de direita que perderam seu poder quando Chávez nacionalizou o petróleo. É uma das imprensas mais histéricas que já vi.
Folha - O sr. desaprova algo no governo de Chávez?
Oliver Stone - Ele comete erros assim como qualquer outro governo do mundo. Mas 75% votaram nele em 2006. Nos EUA, a votação de Obama não chegou nem perto. Você não tem ideia de quão pobre era a Venezuela antes de Chávez. Parte por causa do neoliberalismo praticado, inclusive, no seu país, o Brasil. Washington e o FMI não têm interesse, de coração, nas pessoas. Chávez, Lula, Kirchner, Evo Morales têm. E pagam o preço sendo criticados por pessoas que têm dinheiro e controlam a mídia.
Folha - No filme, Lula diz que só quer ser tratado com igualdade. Ele está sendo?
Oliver Stone - Por quem?
Folha - Por líderes do mundo.
Oliver Stone - Não. Ele e os outros líderes da América do Sul ainda são ignorados. Eu admiro muito o Lula. Ele fez uma coisa nobre indo ao Irã. Ele está tentando manter a sanidade, manter suas posições. Os americanos e europeus acreditam que podem controlar o mundo. Lula representa uma terceira via, de quem não quer a guerra, um caminho fora dessa loucura. Os EUA costumam dizer que Chávez é a má esquerda e Lula, a boa. Isso é nonsense. Obama apoiou Lula até quando ele cruzou a linha.
Folha - Ele disse que Lula é o cara.
Oliver Stone - Eu não confiaria nos EUA. Os americanos sempre jogaram com os brasileiros desde que pudessem controlá-los. Apoiaram o golpe militar no país em 1964. O Brasil sempre esteve no bolso de trás dos EUA, mas agora eles têm que ser mais espertos. Sabem que não podem controlar o Brasil. E Lula é muito importante. Ele se dá com Chávez, com os Kirchner, e com a Colômbia, o Peru e o México, que são aliados dos Estados Unidos.
Folha - E Obama?
Oliver Stone - Nós estamos tentando. Ele é um homem racional, ético, mas faz parte de um grande sistema. Se ele não estivesse lá, estaria John McCain ou Sarah Palin. Você prefere eles? Eu não. Mas, em relação à América Latina, Obama está jogando o mesmo jogo. A reação americana ao golpe em Honduras foi típica.
Folha - O sr. vai fazer um documentário sobre o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad?
Oliver Stone - Não estou pensando nisso no momento. Houve um problema de comunicação. Eu quis fazer o filme, e ele [Ahmadinejad] não quis.Quando ele quis, eu estava fazendo o filme W, sobre George W. Bush.
Já no Brasil, Oliver Stone encontrou-se com Dilma Rousseff e assim falou sobre ela e sobre o acordo Brasil-Turquia-Irã:
"Fiquei muito impressionado com a Dilma Roussef. É muito inteligente, uma grande cabeça, tem muita informação. Sabe tudo de energia, de economia, tem determinação e energia. Ela é muito focada e fiquei muito impressionado com isso. Quando ela tem uma ideia, persiste nisso e discute bastante. É isso que nós precisamos, de pessoas com ações. Ela é dedicada ao Brasil, ao crescimento e em continuar o projeto de Lula. Eu estou muito impressionado.
Ela é o futuro. O Brasil é um país muito importante no mundo, como a Turquia, e o que eles acabaram de fazer no Irã pode não ser muito popular para todos, mas é popular para mim. Nós queremos paz. Nós não queremos uma guerra. E a situação do Irã pode se tornar outro caso como o Iraque. E o que me parece é que os Estados Unidos estão interessados em outra marcha para a guerra. Eu adoro o que o Lula e o Brasil estão fazendo. Eu acho que Dilma Rousseff vê a necessidade de paz e, ao mesmo tempo, que ela sabe a linha para falar com os Estados Unidos. A situação é muito delicada e sensível.
Ela representa a continuidade das políticas do governo Lula, o desenvolvimento tem que continuar da forma que está no Brasil. Ela é muito consciente em relação à energia, sobre a reforma agrária. Ela tem consciência sobre a necessidade dos pobres e isso é fundamental porque o Brasil tem ainda muita pobreza e tem que melhorar nisso. Ela tem visão de mundo que não fica focada apenas no Brasil. Vocês estão tendo um papel muito importante no mundo. Vocês são a terceira via, não podemos ignorar isso, porque os Estados Unidos tendem a fazer inimigos e nós ainda vemos o mundo de forma unilateral. Isso trabalha contra o povo norte-americano. Meu trabalho é em cima disso, e meu documentário (Ao sul da fronteira) mostra algo contra os Estados Unidos. O Brasil e a Turquia e esse grupo de países representam um meio termo. Nós precisamos desse meio termo."
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