Chiqui Avalos, respeitado jornalista e escritor paraguaio que foi correspondente em Paris do jornal ABC Color e é autor do best-seller "La otra cara de HC", apaixonado por futebol escreveu o artigo abaixo sobre a corrupção no futebol.
"O que não fizemos, o FBI está fazendo por nós.
No Brasil a coisa está um pouco
estranha: há uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da República
investigando a máfia do futebol. Mas o cenário de degradação moral no Brasil é
tão terrível, tão escandaloso, que o ex-futebolista Romário, hoje senador, é o
presidente da tal CPI. Conversando com um estimado amigo, delegado da
competente Polícia Federal brasileira e que me foi apresentado por outro amigo,
o saudoso Romeu Tuma (a quem inclusive dediquei um livro), recordamos a vida
pregressa do "peixe" ou "baixinho", como a antipática
figura do agora político é conhecida.
Romário não deve e não pode
investigar a máfia do futebol, pois esteve sempre de braços dados com ela. Como
jogador – igual a outros tantos – trafegou as fortunas que ganhou a cada novo
time em que foi atuar, pelos mesmos meandros delituosos que hoje custam ao
jovem craque Neymar multas milionárias e sanções duras na justiça da Espanha e
na receita federal brasileira pelas fraudes milionárias praticadas por seu pai
e empresário, nada diferentes daquelas da máfia ou do narcotráfico. Não
estivessem em jogo interesses de clubes e grandes empresários da Espanha e do
Brasil, o papai de Neymar já estaria algemado e preso. Romário, também, foi
apêndice de Ricardo Teixeira, imperador do futebol brasileiro por mais de duas
décadas. Romário foi comensal de Nicolas Leoz. Romário fez festas (algumas
impublicáveis), comendo e bebendo, compartilhando vícios e prazeres, com esses
bandidos que estão presos e às vésperas de extradições pedidas pelos EUA.
Como o Conde Drácula pode
investigar o banco de sangue? "Coisas do Brasil", me responde o amigo
delegado. Não é segredo para ninguém, no meio empresarial, político, financeiro
e de imprensa do Cone Sul, que dezenas (talvez centenas) de jogadores de
futebol esquentaram dinheiro sujo, lavaram seus ganhos em contratos obscuros,
através de duas famílias de banqueiros: os Peirano, do Uruguai, e os Rohm, da
Argentina. Banqueiros influentes em seus países e em todo mundo, colocaram
instituições como o Banco Velox, o Banco Pan de Azucar, Banco de Santa Fé,
Banco de Montevideo, Banco Comercial del Uruguay, Banco Aleman Paraguayo,
dentre outros, de uma enorme teia financeira, lavando dinheiro de políticos
corruptos (como Carlos Menem e outros), de dirigentes esportivos (como Nicolas
Leoz, Ricardo Teixeira e outros), e de jogadores de futebol, também.
Desnecessário dizer que todos esses bancos sofreram intervenções oficiais por
conta das práticas criminosas que adotaram para atender essa quadrilha de
clientes.
Será que o impoluto senador Romário, que quer limpar o
futebol brasileiro mas não quer quebrar o sigilo fiscal e bancário da poderosa
Rede Globo de Televisão, se recorda especialmente do Banco Aleman Paraguayo? E
dos senhores Castillo, Sorrentino e Peterlik? E da presteza com que eles e os
executivos do Banco Comercial, em Montevideo, tramitaram fortunas em contas
abertas por gente que hoje urra pela moralidade? Duvido. E do Trade Comercial
Bank, da família Peirano, em Cayman Island? Era lá que se
"consolidava" (essa a palavra mágica!) todas as operações de lavagem
de políticos, artistas, narcotraficantes, empresários e... jogadores de
futebol! Jogadores brasileiros são quatro. Adivinha quem é um deles? Garanto
que não é o inesquecível ídolo de minha juventude, o Garrincha, que morreu
pobre.
Romário, e eu sempre admirei o
seu futebol, é um hipócrita. Mas, certamente, é homem de absoluta sorte. Um
extrato de conta a ele atribuída num banco controverso da Suiça italiana, o
BSI, caiu nas mãos da revista Veja, outrora muito respeitada e hoje envolvida
na luta política no Brasil. Romário seria dono de uns tantos milhões. Nada que
não possa ser verdade para quem faturou fortunas em clubes do Brasil, Europa e
Oriente Médio. Porém o senador voou imediatamente para a Suiça e voltou ao
Brasil com uma foto irreverente, com os braços abertos diante de um lago,
negando a tal conta e amparado por uma nota oficial do BSI.
A esquerda brasileira, no afã de
golpear a revista da família Civita (aliás, parceira da ditadura militar
argentina num episódio horrível, a tomada de uma fábrica de papel de imprensa
da família do falecido empresário judeu-argentino David Graiver, o
"banqueiro dos Montoneros"), fortalece a posição de Romário
promovendo um festival nas redes sociais com a tal nota do BSI. E os inimigos
da CBF e da máfia do futebol, o apoiam como se ele fosse um angelical
mensageiro do Senhor na luta contra as ratazanas do esporte bretão. Que
impressionante!
A Veja não soube se defender, não
questionou a postura do banco nem pediu uma investigação rigorosa. Pode não ter
checado antes, mas falhou no depois, também. E no delicado momento em que a
grande revista vive, tropeçou em uma simples falha de apuração desconhecendo as
imensas possibilidades de que tenha havido um acerto entre as partes, o banco
que administra dinheiro sujo e o depositante que jura até a morte que o seu
dinheiro não é seu.
No momento de burrice coletiva
vivida por quase todos os setores da vida brasileira, alguns detalhes foram
solenemente omitidos. Talvez, sequer notados.
Na nota oficial do BSI (http://www.romario.org/news/all/nota-de-banco-suico-confirma-que-extrato-da-veja-e-falso/) há uma sutileza: se diz que "aquele" extrato é falso e que "aquela" conta não tem o senador como titular. O banco não foi peremptório, apesar de ensaiar um teatro e enviar à justiça a informação de que o extrato publicado por Veja seria falso. E ainda há um fato curioso, no mínimo curioso: pela primeira vez na história uma instituição financeira suíça deixou o mutismo que faz parte da mítica dos banqueiros locais para defender um suposto não-cliente e negar um documento sem que a justiça tenha lhe requerido isso. Estranho, não?
Na nota oficial do BSI (http://www.romario.org/news/all/nota-de-banco-suico-confirma-que-extrato-da-veja-e-falso/) há uma sutileza: se diz que "aquele" extrato é falso e que "aquela" conta não tem o senador como titular. O banco não foi peremptório, apesar de ensaiar um teatro e enviar à justiça a informação de que o extrato publicado por Veja seria falso. E ainda há um fato curioso, no mínimo curioso: pela primeira vez na história uma instituição financeira suíça deixou o mutismo que faz parte da mítica dos banqueiros locais para defender um suposto não-cliente e negar um documento sem que a justiça tenha lhe requerido isso. Estranho, não?
Começa aí um enredo interessante:
bancos suíços não enviam extratos de contas (muito menos as milionárias!) pelos
correios ou sequer os imprimem. E o passado do BSI comporta muita desconfiança.
O BSI nasceu em 1873 e
tem sua sede no Palazzo dei Marchesi Riva, em Lugano, na flexível Suiça
italiana, menos rigorosa nos procedimentos morais e bancários que a exigente
Suiça alemã (Zurich) e a amedrontada Suiça francesa (Genebra). Quem quer
malandragem vai pra Lugano. Foi lá, por exemplo, que 9 em cada 10 hierarcas do
regime de Strossner depositaram o fruto de 34 anos de ditadura absolutista e
corrupta. E jamais, mesmo presos alguns e execrados todos, esses correntistas
foram traídos pelo discreto e secular BSI (N.L.: hoje, o BSI é brasileiro).
Desde julho de 2014, o BSI é de propriedade do magnata
brasileiro André Esteves. O dono do banco BTG Pactual pagou pelo BSI
impressionantes US$ 1 bilhão e 400 milhões. A conta do senador moralista seria,
portanto, anterior à aquisição de Esteves no cantão menos exigente da
confederação helvética. Estranha e feliz coincidência para o peixe...
Esteves é o receptador (essa é a palavra correta) de
campos de petróleo (e petróleo da melhor qualidade) na riquíssima e
convulsionada Nigéria. Foram-lhe repassados em negociação nebulosa pela
Petrobrás, antes da explosão que hoje expõe suas vísceras e a corrupção
endêmica que comprometeu a saúde da gigantesca empresa. Os policiais,
promotores e o juiz da Operação Lava Jato se esqueceram ou ainda não chegaram
ao banqueiro-petroleiro. E não seria com um senador escandaloso, atrevido e com
escassos inibidores comportamentais, como é Romário de Souza, que o exitoso
André Esteves iria se confrontar. É melhor ser gentil do que comprar uma briga
com um político midiático. Fui claro?
Pra que discutir com um senador que quebra um imóvel que
era seu e foi tomado pela justiça e vendido para um grande empresário? E se
confrontar com o impávido namorado da bela (pra quem gosta, esclareço)
transexual Talita Zampirolli (N.L.:foto abaixo), uma loura estonteante fotografada de mãos dadas
em lânguida troca de afagos com o guardião da moral do futebol brasileiro?
Pelear-se com um homem que tem coleção de Mercedes-Benz e
250 pares de sapatos, segundo Eduardo Galeano na página 189 do seu celebrado
livro "Futebol ao Sol e a Sombra"? Confrontar com o homem que teria
querido ser o "cartola" do futebol feminino e suas dezenas de milhões
de dólares e, diante da recusa da CBF, tornou-se inimigo implacável da mesma
CBF que ele cortejava? Não, mil vezes não.
O que Romário está fazendo é tudo o que não deve ser
feito na limpeza do mais popular esporte do planeta. Trocar uma máfia
escancarada por uma máfia ainda não denunciada. O deus dos gramados, das
arquibancadas e das bolas nos livre dessa derrota baseada em histórico gol
contra.
Termino cheio de esperanças. Há livros desnudando a máfia
do futebol. Há poderosos presos e investigações em curso. Recuso-me a perder o
amor profundo por meu time do coração, o Olimpia, e a sofrer e delirar com as
derrotas e as vitórias de minha Seleção paraguaia. Algo há de mudar e pagarão
caro os que converteram a digna paixão dos torcedores em negócio sujo e
mafioso."
(N.L.: Romário já admite que tinha conta na Suiça. A Veja não vai deixar barato.
(N.L.: Romário já admite que tinha conta na Suiça. A Veja não vai deixar barato.