Revirando
meus guardados, descobri uma das minhas incursões, há cerca de uns quarenta anos, pela literatura de cordel, manifestação cultural que eu adoro:
A estória de Severino
Capivara e como ele salvou Lampião da morte, enricou o patrão e amigou com a
filha do boticário.
Vou contar pro mundaréu,
Brasil, Filadélfia e México,
À maneira do cordel,
Com todo o sabor poético
Do povo do meu sertão,
A estória de Severino -
Apelido capivara -
Malandro desde menino,
Que um dia deu de cara
Com o bando de Lampião.
Dizem, mas eu duvido,
Que, dia do nascimento,
Logo depois de parido,
A mãe jogou seu rebento
No rio Jocutuguara.
Que depois foi encontrado,
Tomando um outro destino,
Amamentado e criado
Com o nome Severino
Por uma gentil capivara.
Era feio como a peste,
A cara bexiga só,
Terrorizava o nordeste
Pras bandas de Mossoró.
Concorrendo com o capeta,
Assustando criancinha,
Atacando muié prenha,
Deixando-as só de calcinha...
Nos machos, baixando a lenha,
Dando uma coça porreta.
Um dia, assim num repente,
O cabra tomou tenência
Quando ele deu pela frente
Com moça sem saliência:
A filha do boticário.
Pra móde ver a menina
Foi trabalhar na botica...
Deixou sua antiga sina,
Mostrava agora as canjicas
Parecia mesmo otário.
Estava um dia aperreado,
Vendendo droga a freguês,
Quando se viu rodeado
E atacado por três
Dos cabras de Lampião.
Disse o mais encapetado:
“O chefe tá com espinhela
Caída e com mau olhado,
Tá mais fraco que donzela
De primeira comunhão.
Quero
um remédio porreta
Pra
levantá o patrão,
Pra
livrá ele da morte
E
daquela abafação
Que
já num guento seus ai”.
Severino foi dizendo:
Eu tenho um que é dos bons
Que arriba quem está morrendo,
Dá pro home dois vidrões
De Neuro Fosfato Eskay.
E leva três outros mais:
Quebra um na encruzilhada,
Um outro joga pra trás
Quando por o pé na estrada,
Mas, não se vire pra vê-lo.
Com o terceiro vidrão
Que é bem maior de tamanho
Diga pro seu patrão
Toda vez que tomar banho
Passar sempre no cabelo.
Quase um mês se passara
E aparece procurando
Severino Capivara
Lampião com todo o bando
De cabras mal encarados.
Lampião tava sadio,
Forte como um cavalo,
Parecia até no cio,
Bonito que nem te falo.
Cabelos bem penteados.
Foi direto à drogaria...
Lampião lá entrou só,
O bando ficou de espia
Na rua que nem mocó,
Tocaiando a macacada.
“Foi ocê cabra da pesta,
Ocê que quase me mata
Com droga ruim
da molesta
Que fede e tem gosto de lata,
Lata velha enferrujada?”
Severino tremeu de medo
Quando ouviu ele falar.
Perdeu a voz logo cedo
Sentiu a calça encharcar
E os pés presos no chão.
Lampião disse em seguida:
“Fique
sabendo seu moço,
Ocê
salvou minha vida.
Eu
tava só pelo e osso,
Morrendo
lá no sertão.
“Agora, eu tô bom de vez,
Fiquei inté bem mais forte,
Agüento lutar com seis,
Voltei a zombar da morte
E nunca mais dei um ai.
Vim aqui lhe agradecê
Dizê que lhe quero bem
E pedir pra me vendê
Todo estoque que tem
Daquele fosfato eskay.”
Se deu bem o boticário,
Vendeu remédio adoidado,
Já ficou milionário
E inda vem de todo lado
Gente pra comprar fosfato.
Severino amigou como queria,
Nunca mais saiu do trilho,
E ainda noutro dia
Os dois tiveram um filho
Que a mãe jogou no mato.
N.L.: Nesse tempo, eu trabalhava no laboratório que fabricava o produto e criei o pretenso cordel para incluí-lo num trabalho de grupo da faculdade de comunicação do qual participaram os colegas Kátia do Carmo Elias, Luis de Almeida, Maria Arminda R. Carvalho, Nanci Marinho, Roseli de Jesus Fernandes, Sérgio Gabriel Domingos e Sueli de Souza Barbosa.
Por onde andarão eles? E principalmente elas?