Era um bom rapaz, tinha um bom emprego e estava noivo de uma lourinha linda, cinematográfica, típica de filme francês. Um rosto de menina em corpo de mulher que exalava sensualidade e lascívia. Esse quê que fascina os homens.
Filha de família pobre, pai protestante linha-dura que a educou segundo os mais rígidos preceitos morais e religiosos, ela jamais permitiu qualquer liberdade além do beijo na boca. “Somente depois que a gente casar”, dizia ela sempre que o noivo tentava algo mais.
Apaixonadíssimo, Aurélio – o noivo e primeiro namorado de Débora – não suportava mais aquele namoro dentro de casa e controlado pelos pais. Beijo somente quando se despediam no portão às 22 horas. Nunca além disso.
Decidiu marcar logo o casamento. Dentro de três meses se casariam no civil e na igreja que a família frequentava.
Débora, feliz da vida, partiu para a compra do enxoval. Aurélio alugou apartamento no Bairro de Fátima e mobiliou-o com tudo que tinha direito. Endividou-se. Ficou na pior, não lhe sobrava mais nada da poupança e quase nada do salário. Mas, orgulhoso, pôde mostrar aos futuros sogros o que tinha preparado com muito sacrifício e amor para a vida conjugal.
Faltavam apenas quinze dias para o matrimônio quando o pai da noiva, enfim, permitiu, pela primeira vez, que ela fosse ao cinema sozinha com Aurélio.
Débora foi encontrar-se com o noivo em seu local de trabalho. Era o gabinete avançado de um senador fluminense, um coroa riquíssimo proprietário de fazendas e inúmeras cabeças de gado, grande exportador de carne para a China. Aurélio estava nomeado no gabinete em Brasília e prestava serviços no Rio.
Quando a viu, o senador ficou maravilhado pela lourinha. Ensandecido, chamou Aurélio em sua ampla sala e, a sós, entre as bandeiras do Rio de Janeiro e do Brasil, fez a proposta indecorosa.
Qual um calígula caboclo, o senador exigiu transar com Débora na véspera do casamento. Em troca, pagaria todas as dívidas de Aurélio e lhe daria um milhão de reais. Caso contrário, iria demiti-lo do cargo em comissão no Senado.
A proposta era indecorosa mas abalou o caráter de Aurélio. Disse que jamais conseguiria convencer Débora a aceitá-la. “Vocês não vão ao cinema? Leve-a para ver “Proposta Indecente” com Robert Redford e Demi Moore que está passando no Odeon” – sugeriu o descarado político – “veja o que ela acha do filme e tente convencê-la. Será que ela vai recusar um milhão?”
Perturbado, Aurélio pegou a noiva e foram ao cinema.
“O que achou do filme?” - perguntou-lhe no ônibus de volta para casa – “você toparia?”
“Não sei, não sei” - respondeu Débora – “um milhão de dólares só por uma noite. É dinheiro para toda a vida”.
- “E por um milhão de reais?”
- “Por que pergunta?”
Aurélio contou a proposta do pornográfico senador. Débora fez um escândalo no ônibus. Aos berros chamava-o de canalha. "Canalha, canalha". Mandou o motorista parar, saltou e já na rua gritava: “Não caso mais contigo, canalha”.
Uma semana depois, Débora aparece no gabinete do senador imoral. “Aurélio não trabalha mais aqui, foi demitido”, disse-lhe a recepcionista.
- “Quero falar é com o senador”. E foi entrando, invadiu a sala dele e determinada perguntou-lhe: “A proposta ainda está de pé?”
Surpreso, o senador – como todo político espertalhão – usou de um artifício para baixar a proposta. “Não, não está. A proposta foi de um milhão na véspera do casamento” – disse com cinismo – “você não vai mais casar. Agora, eu ofereço apenas quinhentos mil.”
Débora apenas esboçou um sorriso e disse: “Eu topo”.
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10 comentários:
Não sou Débora, nem Janete, não ando de mobilete e não faço...
Olá Lacerda,
Procurei o texto que me indicou e não achei. Pode me passar o link?
Abçs,
Vando,
No arquivo do blog, abra o ano de 2010. Agora, abra o mês de setembro. A postagem EDUCAÇÃO... SAÚDE... SEGURANÇA é logo a segunda.
O link é http://muriqui-lacerda.blogspot.com/2010/09/saude-educacao-seguranca.html
Lacerda,
Parece até Nelson Rodrigues!
Agora sim.
De fato. Concordo com o que disse. E, fica patente, nosso problema não é necessariamente o Estado, mas nós mesmos que, em tudo, nos tornamos dependentes de um Estado repressor. Falta-nos cidadãos.
O próprio Poder não admite a cidadania. Vide a perseguição que fazem aos blogs aqui ou em Angra.
Abçs,
Leila,
Você sabe que o Nelson é meu ídolo, junto com o Jorge Amado.
Tento imitá-los sempre. Já postei outras estórias que criei imitando "A vida como ela é".
Essa foi mais uma e não será a última.
Vando,
Fico feliz em ver que você pensa como eu.
Quanto à perseguição, jamais tive o prazer e a honra de me sentir perseguido.
Gostaria muito de ser.
Aqui não, mas em Angra os bRogs são citados por uma veredadora (aquela que esteve presa...) a fim de calá-los, diretamente da Tribuna da Câmara Legislativa. Inclusive já houve tentativa de ir à justiça. Foi o juiz que não aceitou, se não me engando. O tal mal falado blog é esse: www.transparenciaangra.blogspot.com e realiza um trabalho primoroso.
Abçs,
Eu gosto! Você sabe disto.
Tenho um irmão que pensa que textos de Nelson Rodrigues são para serem vividos, eu já penso que Nelson é para ser atirado na cara da gente.
Estou novamente sem óculos...retirei por isto o comentários anterior...
desculpem os erros
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