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sábado, 16 de dezembro de 2017

RIO 1959

“Comece a luta dentro de sua casa. Chame as suas filhas, os seus filhos, toda a família, para uma conversa, e diga-lhes que não esperem muito senão de si mesmos. 
Que a impunidade é a resposta que nesta terra se dá a tantos crimes contra a vida, contra a honra, contra o patrimônio.
Mata-se no Rio de Janeiro, em um mês, duas vezes mais que em Londres, em um ano.
A vida de um ser humano, na capital brasileira, é a única mercadoria deflacionária: vale apenas um pedaço de chumbo.
Os bandidos cortam a barriga de um pobre chefe de família que volta para casa, roubam-lhe os embrulhos, e, sorrindo, deixam o infeliz estirado numa poça de sangue. 

Casais são assaltados e levam tiros no rosto. A violência, o latrocínio, a morte fria campeiam impunemente pela cidade - e não se vê uma atitude decisiva, um grito de advertência, como se estivéssemos acostumados a isto, como se tudo fosse natural.
A impunidade forja os maus exemplos. Novos bandidos surgem. Novas quadrilhas de marginais se formam - e a impunidade continua. 

O Chefe de Polícia pode fazer justiça, fazer limpeza, livrar a cidade de assassinos irrecuperáveis - mas, apenas os assassinos que vieram dos morros, que vieram da sarjeta, que vieram do SAM desaparecem. 
Os abastados ficam. Os mocinhos, filhos de pais ricos, que se divertem com a honra das meninas inexperientes, que se valem do dinheiro dos pais, do dinheiro que lhes dará a impunidade quando se tornar necessário. 
Dedicamos esta reportagem, primeiro às mocinhas, mesmo às mais sensatas, lembrando que a virtude precisa ser protegida. Depois, aos pais de família, para que conheçam os perigos que suas filhas (e os seus filhos) correm todos os dias, todas as noites nesta cidade.
Ao Presidente da República que, afinal, também tem filhas, e sabe o que isto representa. 

Finalmente, aos juízes íntegros, para que não deixem impunes tais crimes, a fim de que, exausto, cada pai de família atingido não venha a fazer justiça com as suas próprias mãos.”
Escrito por David Nasser – O Cruzeiro – 30/05/1959


Esse texto tem quase 60 anos. Reproduzo-o aqui para que os nostálgicos desmemoriados não me venham com tênues lembranças colhidas em um tempo que jamais existiu. Somente as meninas inexperientes existiram um dia.

Um comentário:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Caro Lacerda,

Realmente a violência no Rio e no Brasil não vêm de hoje. E, já naquela época tida como "dourada", os números estavam preocupando a sociedade que se sentia alarmada com as notícias.

No entanto, quem dera se hoje a violência ainda fosse como naquela época? Pois, se em 1959 os bandidos matavam com facadas, hoje é tiro de fuzil.

Já as "meninas inexperientes", acho de pouca utilidade tornar a ser como era (rsrsrs)

Um abraço