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quinta-feira, 15 de junho de 2017

SAUDADE, LEMBRANÇAS E FALSAS MEMÓRIAS

Toda saudade traz diferentes lembranças. Às vezes, traz também falsas memórias.
Podem não acreditar, mas lembro dos meus seis meses no colo da minha prima, ela cantando “upa, upa, upa cavalinho alazão” e eu pulando de alegria. Foi meu primeiro carnaval em 1938.
Depois, em 1944, o bloco cantando “olha a cobra fumando” entrou na minha casa e, quando saiu, me levou junto. Meu pai foi me buscar no outro quarteirão. Ainda lembro da bronca que levei.
Lembro da guerra e dos blecautes diários. Havia o medo de bombardeios, tínhamos que ficar trancados em casa e com as luzes apagadas.
Quando sinto saudade dos meus oito anos, lembro das minhas primas que cuidavam de mim. Uma delas pedófila, abusava daquela criança. E como eu gostava...
Quando sinto saudade da minha mui querida mãe, lembro da vara de goiabeira que ela mantinha junto ao fogão. Lembro dela tentando me pegar com a vara na mão; de me acordar toda manhã e de seus gritos chamando-me à noite para voltar pra casa.
Lembro da minha infância. Lembro do zepelin que vi passar vagarosamente em direção à Base Aérea de Santa Cruz e que, depois, adulto, descobri ser uma falsa memória.
Lembro da minha primeira namorada que nunca soube do nosso namoro nem jamais soube o que perdeu. 
Quando sinto saudade do meu pai, lembro de sua estante cheia de livros - com Dostoyéviski,  Émile Zola, Kafka, Máximo Gorki - que eu li todos antes dos 14 anos.
Quando sinto saudade da escola primária, lembro do Professor Valle e sua esposa Lili. Ela ensinava português e ele, comunista, professor de matemática, nos ensinava raiz cúbica. Vejam só: já sabia resolver raiz cúbica no primário. Hoje, não sei mais. Nem raiz quadrada eu sei.
Sinto saudade do ginásio quando passei a estudar na Lapa onde conheci Oswaldo Nunes e Madame Satã, dois homossexuais que apareciam sempre na hora de saída do colégio.
Lembro dos bondes e da primeira vez que saltei de um bonde andando. Claro que rolei no chão.
Lembro que matava aula para ir à praia ou ao Capitólio com as garotas. Tempo bom.
Sinto saudade do trem, na volta pra casa, cheio de normalistas do Instituto de Educação. Até peguei uma pra mim que, depois, me deu um filho. Hoje, ele é coronel da Aeronáutica.
Quando sinto saudade da minha irmã, lembro do Nelson Rodrigues. Ela possuía todos os livros dele, os quais eu li quase todos. E me tornei seu ardoroso fã. Tal como ela.
Quando lembro do meu irmão, penso nas inúmeras vezes que tive de brigar na rua pra defendê-lo.
Agora, beirando os oitenta, todas estas lembranças permanecem vivas. E, quando quero, passo o VT completo em minha mente.
E sinto muita pena de quem sofre com o Mal de Alzheimer.

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