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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O PRIMEIRO GOLPE CIVIL-MILITAR

A Proclamação da República foi o primeiro golpe militar promovido no Brasil que, à época, era a única monarquia latino-americana. Nosso país foi o último a adotar o regime republicano nas três américas, em 15 de novembro de 1989. E um dos últimos a abolir a escravidão em todo o mundo. 
Pedro II não tinha filho homem e a herdeira do trono seria sua filha mais velha, a princesa Isabel, casada com um francês, o Conde D´Eu. Este fato gerava o receio de que o país caísse no poder de um estrangeiro. 
A defesa de um regime republicano era, então, manifestada em diferentes revoltas. A Revolução Farroupilha – que durou dez anos entre 1835 e 1845 - foi apenas a última a levantar-se contra a monarquia.
Após tantas lutas, a abolição da escravatura, em 1888, foi a pá de cal na monarquia brasileira porque afetou financeiramente o latifúndio e a sociedade escravista. Esta elite que subsiste atualmente e justificava a presença de um imperador enérgico e autoritário retirou o seu apoio ao monarca.
A corrupção do governo monárquico era questionada pelos militares. A monarquia era também contestada pela Igreja Católica que sofria a interferência imperial em seus assuntos. 
A crise econômica devido à guerra do Paraguai também influenciou na Proclamação da República, regime já adotado por muitos países importantes que possibilitava maior participação política dos cidadãos.
O marechal Deodoro da Fonseca, que assumiu o poder republicano, deixou de ser monarquista às vésperas do golpe porque se sentiu corneado. Um dia, eu conto a história. 

Doente, com dispnéia, Dodoro foi forçado a sair de casa  pelos conspiradores. Morava ali ao lado do Campo de Santana, hoje também conhecida como Praça da República.
Após proclamar a república ali mesmo, juntinho de sua casa, o marechal voltou para a cama.

Os militares, então, seguiram para o palácio do governo imperial, na Praça XV. Ali, convenceram o general Floriano Peixoto – outro monarquista, comandante do destacamento local e responsável pela segurança do Paço Imperial – a aderir ao movimento. Floriano foi o vice de Deodoro e, a seguir, presidente da república.

Depois, Floriano virou praça e Deodoro estação de trem, como diz o samba do crioulo doido.
Assim, em linhas gerais, foi proclamada a república de Rui Barbosa, um monarquista traíra que participou do primeiro governo republicano-militar.
Apenas 25 anos após a proclamação, em 1914, Rui Barbosa – que para alguns é considerado o maior brasileiro de todos os tempos (esquecem de Lula, Pelé, Jorge Amado e Niemeyer) – proferiu um discurso no Senado cujo trecho a seguir, em preto, é sempre reproduzido nas redes sociais; entretanto, esquecem de reproduzir a parte que segue em vermelho: 
“...De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime (na Monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos temiam e que, acesa no alto (o Imperador, graças principalmente a deter o Poder Moderador), guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça.”

N.L.: Um discurso similar ao dos intervencionistas que, atualmente, querem acabar com a democracia e sonham com a volta da ditadura militar, com a tortura, com o dedurismo, com o fim da liberdade de expressão. Rui Barbosa sonhava com a volta do absolutismo imperial muito mais corrupto. Como disse Nelson Rodrigues: "Em nosso século, o grande homem pode ser, ao mesmo tempo, uma besta".

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

CARLOS ZÉFIRO EXPLÍCITO

Alcides de Aguiar Caminha (1921-1991) foi um servidor público federal, casado, cinco filhos, morador de Anchieta/RJ, que compôs um dos mais belos versos da MPB para a melodia de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito.

Tira o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor.

Todos conhecem a composição imortal A Flor e o Espinho, que tem mais de sessenta anos, e foi gravada por inúmeras cantoras. Talvez, alguns poucos conheçam seu outro grande sucesso - Notícia - gravado por Roberto Silva que pode ser ouvido abaixo.
Além de poeta e compositor, Alcides Caminha era a identidade secreta de Carlos Zéfiro, o grande professor de educação sexual nas décadas de 50, 60 e 70. 
O famoso escritor que povoou os sonhos eróticos da minha e, talvez, também da sua puberdade.
Carlos Zéfiro foi um romântico pornográfico com seus “catecismos”, livretos de 16 a 32 páginas com sexo explícito, que ele ilustrava e escrevia, vendidos em todo o país e que o ajudavam a manter a família. "Queria construir minha casa própria e colocar meus filhos na escola", disse ele certa vez.Viveu incógnito por mais de trinta anos para não perder o emprego no Ministério do Trabalho. Temia a lei que previa a demissão e a suspensão da aposentadoria de funcionários públicos envolvidos em escândalos.
Dono de uma das mais criativas e censuradas carreiras literárias no país, Zéfiro foi autor de mais de 600 revistas erótico-pornográficasalgumas com tiragem de 30 mil exemplares, produzidas de forma artesanal, vendidas dissimuladamente pelos jornaleiros e lidas em segredo, com fervor incontido, pela garotada onanista que as colecionavam e as passavam de mão em mão. 
Mãos, diziam pais e mães, onde podiam crescer pelos, enquanto os religiosos afirmavam ser pecado. E a ditadura não suportava a pornografia. 
Na década de setenta, para tristeza de seus leitores, após o episódio em que sofreu uma rigorosa revista policial, Zéfiro parou com sua literatura. Além disso, um general de Brasí­lia se indignou com as revistinhas e mandou investigar. 
Chegou até Hélio Brandão, o respon­sável pela edição das revistas. Hélio jamais revelou que Carlos Zéfiro era um pacato funcionário público federal. Após reinar no terreno fértil da sacanagem em plena ditadura militar, Alcides acabou desistindo do Zéfiro.
Toda uma geração descobriu o sexo através de Carlos Zéfiro, cujo texto e desenho a bico de pena possuía uma sexualidade inerente. Embora singelos e limitados, os desenhos mostravam mulheres bonitas e perfeitas que deixavam os garotos cheios de tesão. 
Olhando seus desenhos hoje, vejo que o único defeito delas eram os pentelhos. Mas, isto era normal naquela época. sua crônica da vida privada retratava a realidade reprimida da sociedade suburbana carioca com empregadas domésticas, donas de casa, secretárias, professoras, solteiras e casadas, viúvas sedentas, desquitadas carentes, políticos corruptos e devassos, freiras pecaminosas
Todas as mulheres lascivas foram representadas em sua obra - para mim uma obra de arte - sempre com muita paixão e romantismo. Tinha muito a ver com Nelson Rodrigues que alguns pensavam ser o autor secreto dos “catecismos”, mas Zéfiro foi um artista com um estilo inconfundível que não chegou a conhecer o alcance de sua obra.
Alcides Caminha foi identificado em 1991 pela revista Playboy. Um homem modesto e humilde que somente se revelou devido a pressão de seus filhos.
Ganhou algum dinheiro, deu entrevista até no Jô Soares. Foi premiado com o Troféu HQ Mix pela importância de sua obra na Bienal de Quadrinhos.
O nobre educador sexual deixou este mundo em 5 de julho de 1992, menos de um ano após ter sua identidade revelada.
Marisa Monte usou a arte do mestre na capa de seu álbum “Barulhinho Bom”, de 1997 e a MTV até criou uma vinheta totalmente inspirada nos “catecismos”. 
Em 1999, em Anchieta, foi inaugurada a Lona Cultural Carlos Zéfiro, com show de Marisa Monte. 
Em Janeiro de 2011, os trabalhos de Zéfiro foram expostos ao lado de outros quadrinhos eróticos de todo o mundo no Museu do Sexo, em Nova YorkHoje, Zéfiro é motivo de monografias e pesquisa de mestrado em faculdades, e tem vários artigos publicados na imprensa. Já foi motivo de peça de teatro e há um documentário exclusivo sobre ele. Veja o filme AQUI.
Diversos autores já escreveram livros sobre Carlos Zéfiro que faz parte importante da história cultural do país para desespero dos generais. O antropólogo Roberto da Matta escreveu textos analisando seus quadrinhos e já se declarou fã dos “catecismos”.
A sem-vergonhice de um homem de família deixou muitas marcas na cultura nacional. Em mim também.
Está por merecer uma homenagem da Academia Brasileira de Letras, cujos membros certamente foram onanistas como eu e devem ter saciado sua púbere excitação sexual com aqueles românticos “catecismos”.

N.L.: Veja o “catecismo” intitulado A Filha da Lavadeira AQUI.