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quarta-feira, 29 de junho de 2016

NINGUÉM É PERFEITO

Já adulto, Anselmo encontrou o amigo de infância.
- Que tristeza é essa, cara! Tá com depressão?
Surgiu uma lágrima furtiva quando Jorginho, ainda abraçado com Anselmo, respondeu: “Tô, tô sim...”
Aí rolou o diálogo:
- O quê que há, meu amigo, o quê que há?
- Eu sou um merda. Sou um ninguém.
- Mas, dizem que ninguém é perfeito, pô.
- Você brinca porque é bonito e tem dinheiro.
- E daí cara?
- Eu sou feio e duro, ainda sou virgem aos 20 anos.
- Não acredito. Nunca arrumou uma mina?
- Nunca. Já disse: sou feio e duro, sou um merda.
- Quem gosta de homem bonito é viado. Mulher gosta de homem com dinheiro.
- Eu sou duro feito um coco.
- Não basta ter dinheiro, tem que parecer que tem.
- Como parecer que tenho grana?
- É simples. Quem anda deitado na grana atualmente, além da elite? Cantor sertanejo e jogador de futebol. É ou não é?
- É...
- Então, pô! Cantor sertanejo você nunca vai parecer que é, mas jogador de futebol é fácil. Faz o seguinte: deixa a barba crescer, faz aquelas tatuagens irracionais nos dois braços e no pescoço, fura uma orelha e coloca um brinco prateado.
- E depois?
- Daqui há três meses a gente de encontra e eu digo o que fazer depois.
- Pô! Vai levar tempo. Eu tô a perigo...
- Você tá há 20 anos sem comer ninguém, pode esperar mais um pouco.
Um tempo depois, os amigos se encontram. Jorginho de barba cerrada, brinco na orelha, braços e pescoço tatuados.
Ocorreu um novo diálogo:
- Beleza! Você já escondeu parte da tua feiúra, viu!
- E, agora, o que faço? Doeu pra cacete fazer tatuagens.
- Agora, vai ao barbeiro. Raspa os dois lados da cabeça. Deixa cabelo só na parte de cima.
- Posso pintar de louro o que restar?
- Não! Tá maluco? Você é branco, pega mal. Se fosse negro pegava bem.
- E depois?
- Depois, compra um gel qualquer e faz uma crista igual de galo. Aquela coisa ridícula. Amanhã, sábado, a gente se vê de novo.
No dia seguinte:,
- E aí gostou? Tá bonito – disse Anselmo tentando motivá-lo – Agora, é só partir para a balada logo mais. Mas, não esqueça de vestir uma camisa de time de futebol. As cachorras vão dar em cima de você. Vai chover mulher. Hoje você perde a virgindade.
No domingo, eles se encontraram novamente.
- E aí, e aí? – quis saber Anselmo.
- Deu ruim – disse Jorginho ainda deprimido.
- Por quê? O que houve, cara?
- Os caras estavam todos iguais a mim. A mesma crista ridícula na cabeça, a barba, o brinco e as tatuagens nos braços e no pescoço.
- E daí?
- E daí que as cachorras investiram nos caras com camisa do Real Madrid, Barcelona, Flamengo, Fluminense, até do Botafogo. Quatro ou cinco se ofereciam para cada um. Não sobrou nenhuma pra mim.
- Não é possível, cara. Com que camisa você foi? 
Lágrimas não mais furtivas rolaram dos olhos de Jorginho quando ele respondeu:
- Fui com a camisa do Bangu.

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